Avançar para o conteúdo principal

[opinião] Os cursos superiores enjeitados!

Estes tempos que vivemos no setor da educação têm sido tempos duros, de uma forte deriva ideológica neoliberal, de um claro desinvestimento na escola pública, na ciência e no ensino superior.
Nuno Crato, cedo, se revelou um “escuteiro” serôdio de uma educação elitista que pé ante pé tem vindo a implementar em todo o sistema educativo, tendo-lhe causado uma instabilidade geral, do básico ao superior, quer na vertente pedagógica quer na vertente dos recursos humanos.
O mais recente caso, um verdadeiro paradoxo, tem a ver com os cursos superiores de curta duração, aprovados recentemente em conselho de ministros, que já todos enjeitam.
Falamos, concretamente, dos designados cursos técnicos superiores profissionais (CTSP) com duração de dois anos a serem ministrados nos institutos superiores politécnicos.
E é aqui que entra o paradoxo. É que, logo no dia da aprovação pelo conselho de ministros do decreto que aprovou estes cursos, o conselho coordenador dos institutos superiores politécnicos (CCISP), em comunicado, disse que não foram tidos nem achados neste processo, que os seus contributos foram atirados para o caixote do lixo e que, portanto, face ao modelo aprovado, não estavam disponíveis para lecionar os CTSP.
E dizia mais o comunicado do CCISP, que manifestava o seu “repúdio pelo modo como tem sido conduzido o processo de construção de políticas públicas de ensino superior, o qual tem ignorado sistematicamente a posição e as propostas do CCISP, parceiro incontornável, tal como está consagrado na lei”.
Face a tudo isto temos, de facto, que estar muito preocupados. É que ainda há um mês atrás Nuno Crato tinha posto em causa a formação de professores nos politécnicos, agora corta nos bolseiros, já antes tinha suborçamentado o ensino superior, atitudes que se sintonizam numa sanha persecutória contra os politécnicos, as universidades e, afinal, contra a educação e todo o sistema científico.
E não se pense que temos alguma oposição de princípio a que existam cursos profissionalizantes de curta duração, porque não temos. O que temos são muitas reservas quanto ao caminho escolhido. É que estes CTSP são, na prática, uma redundância dos atuais cursos de especialização tecnológica (CET), que atualmente são lecionados em escolas profissionais e em institutos politécnicos.
Quer isto dizer que se não tivermos sobre esta matéria uma visão global, tudo pode ficar em causa: a racionalidade do sistema de formação profissional; a sua adequação ao mundo do trabalho; e o prosseguimento de estudos.
Ficamos com uma tal teia de graus e de cursos, sobrepostos, que ninguém perceberá como se enquadram e como se encaixam uns nos outros: nem os alunos, nem o mercado de trabalho.

Finalizamos com um desejo e um apelo. O desejo é que estes cursos não sejam, tão só, uma via para inflacionar o número de diplomados com o superior e o apelo é para que o governo, ainda está a tempo, abra um diálogo sério com os parceiros envolvidos nesta problemática, com destaque para os politécnicos e para as empresas, e corrija este modelo.
Acácio Pinto

Mensagens populares deste blogue

Sermos David e Rafael, acalma-nos? Não, mas ampara-nos e torna-nos mais humanos!

  As palavras, essas, estão todas ditas. Todas. Mas continua a faltar-nos, a faltar-me, a compreensão. Uma explicação que seja. Só uma, para tão cruel desenlace. Da antiguidade até ao agora, o que é que ainda não foi dito? O que é que falta dizer? Nada e tudo. E aqui continuamos, longe, muito distantes, de encontrar a chave que nos abra a porta deste paradoxo. Bem sei que, quiçá, essa procura é uma impossibilidade. Que não existe qualquer via de acesso aos insondáveis desígnios. Da vida e da morte. Dos tempos de viver e de morrer. Não existe. E quando esses intentos acontecem em idades prematuras? Em idades temporãs? Tenras? Quando os olhos brilham? Quando os sonhos semeados estão a germinar? Aí, tudo colapsa. É a revolta. É o caos. Sermos David e Rafael, nestes tempos cruéis, não nos acalma. Sermos comunidade, não nos sossega. Partilharmos a dor da família, não nos apazigua. Sermos solidários, não nos aquieta. Bem sei que não. Mas, sejamos tudo isso, pois ainda é o q...

JANEIRA: A FAMA QUE VEM DE LONGE!

Agostinho Oliveira, António Oliveira, Agostinho Oliveira. Avô, filho, neto. Três gerações com um mesmo denominador: negócios, empreendedorismo. Avelal, esse, é o lugar da casa comum. O avô, Agostinho Oliveira, conheci-o há mais de meio século, início dos anos 70. Sempre bonacheirão e com uma palavra bem-disposta para todos quantos se lhe dirigiam. Clientes ou meros observadores. Fosse quem fosse. Até para os miúdos, como era o meu caso, ele tinha sempre uma graçola para dizer. Vendia sementes de nabo que levava em sacos de pano para a feira. Para os medir, utilizava umas pequenas caixas cúbicas de madeira. Fossem temporões ou serôdios, sementes de nabo era com ele! Na feira de Aguiar da Beira, montava a sua bancada, que não ocupava mais de um metro quadrado, mesmo ao lado dos relógios, anéis e cordões de ouro do senhor Pereirinha, e com o cruzeiro dos centenários à ilharga. O pai, António Oliveira, conheci-o mais tardiamente. Já nos meus tempos de adolescência, depois da revolu...

Ivon Défayes: partiu um bom gigante.

  Ivon Défayes: um bom gigante!  Conheci-o em finais dos anos oitenta. Alto e espadaúdo. Suíço de gema. Do cantão do Valais. De Leytron.  Professor de profissão, Ivon Défayes era meigo, afável e dado. Deixava sempre à entrada da porta qualquer laivo de superioridade ou de arrogância e gostava de interagir, de comunicar. Gostava de uma boa conversa sobre Portugal e sobre a terra que o recebeu de braços abertos, a pitoresca aldeia do Tojal, que ele adotara também como sua pela união com a Ana. Ivon Défayes era genuinamente bom, um verdadeiro cidadão do mundo, da globalidade, mas sempre um intransigente cultor do respeito pela biodiversidade, pelo ambiente, pelas idiossincrasias locais, que ele pensava e respeitava no seu mais ínfimo pormenor. Bem me lembro, aliás, das especificidades sobre os sons da noite que ele escrutinava, vindos da floresta, da mata dos Penedinhos Brancos – das aves, dos batráquios e dos insetos – em algumas noites de verão, junto ao rio Sátão. B...