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Ivon Défayes: partiu um bom gigante.

 


Ivon Défayes: um bom gigante! 

Conheci-o em finais dos anos oitenta. Alto e espadaúdo. Suíço de gema. Do cantão do Valais. De Leytron. 

Professor de profissão, Ivon Défayes era meigo, afável e dado. Deixava sempre à entrada da porta qualquer laivo de superioridade ou de arrogância e gostava de interagir, de comunicar. Gostava de uma boa conversa sobre Portugal e sobre a terra que o recebeu de braços abertos, a pitoresca aldeia do Tojal, que ele adotara também como sua pela união com a Ana.

Ivon Défayes era genuinamente bom, um verdadeiro cidadão do mundo, da globalidade, mas sempre um intransigente cultor do respeito pela biodiversidade, pelo ambiente, pelas idiossincrasias locais, que ele pensava e respeitava no seu mais ínfimo pormenor.

Bem me lembro, aliás, das especificidades sobre os sons da noite que ele escrutinava, vindos da floresta, da mata dos Penedinhos Brancos – das aves, dos batráquios e dos insetos – em algumas noites de verão, junto ao rio Sátão.

Bem me lembro das suas lições sobre as rochas e sobre os minerais. Dos seus ensinamentos sobre fósseis e da classificação de algumas rochas que eu tendo em casa não conhecia com a precisão do seu olhar e do seu saber. Como bem me lembro de uma rocha que estava misturada com outras, sendo para mim todas ‘pedras’, ele calmamente me disse ser um sílex, o “mesmo que utilizavam os nossos antepassados caçadores”, explicou-me.

E estas conversas aconteciam em português, língua que ele, desde a primeira hora, tentou adotar em Portugal. E se no início demorava a encontrar a palavra mais adequada para uma situação concreta, rapidamente começou a expressar-se com razoável fluência na língua de Camões.

Lembro-me bem, igualmente, do néctar com que regávamos essas interações. Era com vinho do Dão, de Penalva, da Cooperativa, misturado com umas tapas de enchido, do nosso, e com trigo do Vieira, de Rio de Moinhos.

Ivon Défayes, nado em 1947, partiu. Partiu antes do tempo, apetece-me dizer. Partiu prematuramente.

Ou será que não? Que partiu no seu tempo? Não será que cada um parte, afinal, no seu tempo? No tempo que os insondáveis desígnios nos reservam para a partida? Para a última partida, antes da chegada ao local que a cada um cabe?

Abraço solidário e afetuoso, à Ana, à Catherine, ao Mickael e a todos os familiares.

Acácio Pinto

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