João Figueiredo Gomes, de 85 anos, é natural do concelho de Sátão, freguesia de Rio de Moinhos e foi, recentemente, homenageado pela sua carreira ao serviço da música portuguesa, numa parceria entre a Academia do Fado, da Canção e da Guitarra de Coimbra e o Município de Sátão.
João Gomes, que aos catorze anos rumou para Lisboa – onde em fevereiro de 1957 assistiu da encosta do castelo de São Jorge à chegada da rainha Isabel II da Inglaterra no navio Royal Yacht Britannia, que ele fotografou da varanda da casa da sua tia, onde residia – levava no coração o gosto pela música. E, vai daí, no final dos anos 50, materializou essa sua paixão através da aquisição de uma viola que a sua avó acabou por financiar, pese embora as dificuldades que se viviam à época. Esse seu primeiro instrumento, que o acompanhou até à Índia, onde cumpriu o serviço militar, tinha, porém, o destino marcado. Ele, e os demais militares portugueses foram presos, em 1961, pelas forças indianas que invadiram e tomaram para si o Estado Português da Índia e, passado algum tempo, quando foi libertado, ele regressou a Portugal, mas a sua viola, essa, por lá ficou sequestrada.
Mas não, a sua paixão não terminou. Manteve-se bem firme.
Comprou uma nova viola e desde então foi vê-lo em dedicação absoluta, com amor, à
sua guitarra clássica, ou viola, como ele gosta de dizer, que fez dele um dos
intérpretes mais reconhecidos da sua geração, tendo levado o seu virtuosismo a
inúmeros palcos em todo o mundo.
Tocando com alguns dos maiores vultos da guitarra e da canção, com quem fez parcerias várias, João Gomes nunca esteve, contudo, em exclusividade na música, mantendo a sua atividade profissional numa empresa internacional, em Lisboa.
Tocou com o homem dos mil dedos, Carlos Paredes, com quem gravou um disco, com Lopes e Silva, com Fernando Alvim, António Chainho e muitos outros, mas foi com João Bagão e Alexandre Bateiras que mais fez dupla.
Porém, a parceria mais intensa e mais frutuosa foi aquela que estabeleceu com Luís Goes, com quem efetuou inúmeras digressões e gravou inúmeros discos. Para este, compôs, inclusivamente, vários temas musicais, de que aqui destaco a Cantiga para quem sonha, do início doas anos 70, com a letra a pertencer a Leonel Neves.
Hoje não, já não é bem assim, disse-nos ele sobre o seu virtuosismo, os dedos já não
obedecem como outrora. Todavia, João Gomes acabou por ser desmentido, com o
acompanhamento que protagonizou durante a homenagem, dando uma belíssima
resposta ao repto que lhe fora lançado. Os dedos corresponderam, dedilhando e
harpejando com a maestria de sempre!
E que mais posso dizer eu, nesta brevíssima crónica, sobre João
Figueiredo Gomes?
Que estamos perante um vulto da viola e, sobretudo, perante
um ser humano de qualidades invulgares, na forma humanista como olha o mundo e
como continua, atentamente, a vê-lo e a lê-lo, não sem nos manifestar algum
desencanto com os comportamentos de alguns líderes mundiais nestes últimos e
novos tempos.
E ainda quero acrescentar, pois percebe-se desde o primeiro
momento, que estamos perante uma pessoa rigorosa, que gosta do seu ritual de,
diariamente, às nove horas, ir ao Café Sátão e sentar-se na mesma mesa de
sempre, desde que esteja vaga!
Precisamente, na mesma mesa onde eu também tive inúmeras
conversas com Júlio Carvalho, seu primo, e que o nosso interlocutor vários vezes recordou,
dizendo que era um grande violinista e com quem, para além das serenatas, teve inúmeras
aventuras na juventude, em Rio de Moinhos, que me contou mas que eu,
obviamente, guardarei só para mim.
Tive um enorme gosto nesta conversa com João Figueiredo
Gomes, ficando-lhe muito grato pela disponibilidade de me ter concedido tão deleitoso testemunho.
Acácio Pinto