Não conhecia esta faceta do amigo e conterrâneo Júlio Carvalho, a da escrita literária.
Apesar de Júlio
Carvalho, radicado há décadas em Cascais, ser natural do concelho de Sátão, tal
como eu, mais concretamente de Rio de Moinhos, só privei com ele de uma forma
mais próxima e intensa nos últimos anos, aquando da minha passagem pela
Assembleia da República, onde o recebi e desde logo me apercebi de algumas das
suas muitas paixões de vida. Pela história, pela marinha, pela música, pela azulejaria,
pelo património, muito pelas artes!
Percebi-o,
desde a primeira hora, guloso pelo saber, pelo conhecimento, pela cultura, pela
política e um homem sempre atento aos pormenores e aos recortes mais subtis de
uma pintura ou de um contador feito de pau-santo, cujo escrutínio das
especificidades e do estilo não lhe escapam.
A sua paixão
pela escrita, essa, só agora me foi revelada. E quando digo agora, digo há
escassos meses.
Júlio
Carvalho confrontou-me com a sua escrita. Primeiro com um pequeno conto – diálogos
(im)possíveis com Natália Correia – e, mais recentemente, com este livro, “4
gerações”; livros que não me deixaram indiferente, sobretudo este último, um
livro, um romance, com muita autobiografia, de grande envergadura. Estas obras
abriram-me mais uma janela de análise sobre um homem multifacetado, um
apaixonado cidadão do mundo, que não se deixando tolher pelos horizontes da sua
terra, navegou oceanos fora perscrutando o mundo e construindo a sua
mundividência em cada país que demandou e em cada cidade em que aportou.
E é isso que
nos traz neste “4 gerações”. Viagens. E neste livro de viagens, Júlio Carvalho,
qual Fernão Mendes Pinto, abre-nos fronteiras, revela-nos tantos cantos e
recantos. Mas engana-se quem pensa que o livro se fica por aí. Pelas
descrições, pelos olhares sobre os monumentos, sobre as paisagens. Não, as
viagens têm personagens. As viagens são locais de destino de homens e mulheres
em passeio, nas férias, mas também em inambulações de amor, algumas de amores
furtivos, de fugas.
Este “4
gerações” traz-nos famílias em digressão, homens e mulheres em roteiros de núpcias
e tantos outros em itinerários senão proibidos pelo menos um pouco à margem, pois
têm que estar escondidos, uns por enquanto, outros para sempre.
E se os
locais das viagens nos são trazidos pelo autor com coordenadas exatas e com os
ângulos dos rumos e dos azimutes bem traçados, já quanto aos personagens,
percebe-se que “qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência”,
embora em alguns casos nem tanto. O autor tece uma urdidura fina e muitas vezes
só ficcionará, mesmo, o nome dos homens e mulheres que nos traz à estampa.
Júlio
Carvalho neste livro revela-se um cronista exímio quando nos leva ao oriente, a
Macau, ao Casino Lisboa ou à gruta de Camões. Quando nos transporta até à
China, a Xian ou a Pequim. E quando nos especifica os espaços, com pormenores
de fazer inveja aos ourives de filigrana, sabe-se que é uma escrita feita com a
alegria de quem palmilhou as pedras da calçada e sentiu as maresias do Índico,
do Atlântico ou do Pacífico. De quem atravessou as mornas chuvas intertropicais
ou demandou as águas frias do mar do Norte.
E é com esta
precisão descritiva de lugares, circunstanciada com dados históricos, com
elementos sociopolíticos e económicos, que Júlio Carvalho nos desvenda o Brasil,
de João Pessoa a Manaus, ou o México, de Acapulco a Oaxaca, ou da serra Madre
Ocidental a Cancun.
E o museu do
Cairo, o grande Canyon e o rio Jordão? E a torre Eiffel, os canais de Veneza,
Salzburgo ou Viena?
Sim, também lá
estão, como lá estão as viagens cá dentro. Lá está o Estoril, Sintra, Lisboa,
Cascais, Sesimbra e tantos outros pedaços de Portugal.
Estamos
perante um livro denso, cheio de memórias e de histórias. Um livro com pares de
namorados, com amores e desamores, com tantas navegações profundas e ousadas e
aqueloutras tão superficiais.
Júlio
Carvalho, numa narrativa sedutora, proporciona-nos nestas viagens a companhia
de inúmeras personagens, Miguel Roldão, Joana, Daniel, Patrício, António Lima,
Malvina, João Varela, Alexandre, Diana e tantos outros… e com palavras precisas
fala de luas-de-mel, de danças de sedução, de fins de semana ardentes, de
namoros arrebatadores.
Enfim, um
livro de vida, um livro com vidas, um livro vivido. Assim o seja para os
leitores!
Sátão, março
de 2016
Acácio Pinto
NOTA: Foi com enorme pesar que, no dia 11 de novembro, recebi, do Virgílio Lemos, a notícia do falecimento de Júlio Figueiredo Carvalho. O texto que precede é do prefácio que escrevi, em 2016, para o seu livro "4 gerações". A foto que ilustra este artigo é de 2013, numa visita que, a meu convite, ele fez à Assembleia da República. Guardo-o com enorme apreço. Requiescat in pace.