Ainda há livros assim? Afinal, há. Depois de tantos clássicos e best-sellers com que somos confrontados, enfim, aparece sempre mais um autor que nos fascina com a sua escrita e com a trama que urde.
"Um Gentleman em Moscovo", de Amor Towles,
editado em 2018 pela Dom Quixote, é um livro épico. Desde o início que se
transforma numa adição. Num produto que nos amarra a uma narrativa que nos
surpreende em cada uma das mais de 500 páginas.
Iniciando-se com a revolução vermelha dos inícios do séculos
XX, na Rússia, o livro traz-nos para abertura o resultado da condenação, por um
tribunal bolchevique, de Aleksandr Rostov a prisão domiciliária, ele que era um
conde culto e liberal, admirador do belo e dos valores morais, nado e criado em
São Petersburgo, por entre a aristocracia imperial russa.
Ele que, até aí, vivia numa suite luxuosa do Hotel Metropol,
em Moscovo, vê-se remetido a um quarto exíguo, no sótão do hotel. E é a partir
dessa "cela" que ele, naquele hotel faustoso, mas uma prisão, vai
acompanhar a evolução da situação política russa e da cidade
de Moscovo.
E, estando os seus movimentos circunscritos às quatro
paredes do hotel, nem assim ele se deixou abater, apesar de alguns momentos de
depressão. Continuou com o seu fino trato, estabeleceu cumplicidades com os
funcionários do hotel, organizou e presenciou reuniões dos "camaradas
bolcheviques" nos antigos salões imperiais do hotel, participou em
conversas com os diplomatas estrangeiros que por ali passavam e ainda cuidou das
"suas" meninas que se lhe atravessaram no caminho, em pleno hotel.
E a sua elegância foi sempre a pedra de toque, mesmo nos
momentos de grande tensão e na urdidura dos planos traçados. São elementos desconcertantes pela beleza das
descrições do narrador.
"Um Gentleman em Moscovo" é um livro encantador e
surpreendente que nos proporciona uma viagem desconcertante, intensa e
apetitosa por quatro décadas das políticas traçadas pelo Kremlim e da história
da Rússia, enquanto um conde esteve em prisão domiciliária, pelo
"crime" de ser o autor de um poema,
interpretado como subversivo aos olhos dos vencedores da revolução bolchevique.
O livro traz-nos um olhar ocidental? Com certeza, mas foi um
olhar tão agradável aos meus olhos que, sim, me recriminaria se não tivesse
tido a oportunidade de o degustar e de degustar a gastronomia e as bebidas de
ontem e de hoje servidas nos restaurantes do Hotel Motropol e requintadamente
analisadas e comentadas por um aristocrata russo em prisão domiciliária naquele
mesmo hotel.
Recomendo vivamente.