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A propósito de António Ribeiro Sanches: reflexão sobre ódio e perseguições

 

Foto: https://www.cm-penamacor.pt/

Numa das minhas incursões pelo século XVIII, no âmbito de umas pesquisas relacionadas com a expulsão dos jesuítas e com a perseguição aos judeus, esbarrei em António Ribeiro Sanches.

E o que é que me levou a dar à estampa esta breve crónica?

Foi o facto de ter dado comigo a refletir que não conseguimos, tal ontem como hoje, colocar um ponto final no discurso de ódio e nas perseguições de pessoas que se veem forçadas ao exílio para escaparem ao cárcere ou à morte.

Não sei se há forma diferente de o dizer, mas a mente humana é persecutória por natureza, seja por questões religiosas, políticas, de local de nascimento, seja lá por aquilo que for.

Mas voltemos, então, a António Ribeiro Sanches, nascido em Penamacor, e que atravessou quase todo o século XVIII (1699-1783).

Pelo facto de ser obrigado a ser cristão-novo, porém sendo secretamente judeu, viu-se acusado à Inquisição, por familiar próximo, tendo de fugir para o estrangeiro, de onde não mais regressou, para escapar à consequente condenação, por aquele tribunal que fora criado para isso mesmo, para condenar quem não estivesse conforme com os cânones da religião dominante.

E com esta perseguição e consequente fuga, neste como noutros casos, o que ganhou Portugal, ou os países onde tal sucedeu e sucede?

Não ganhou nada.

António Ribeiro Sanches, um jovem que ainda não chegara aos trinta anos e que era um verdadeiro polímata, levou consigo todo o seu saber e qualificações no âmbito da medicina, da pedagogia, da filosofia e da história.

E o que fez nessa sequência?

Trabalhou por toda a Europa, exercendo medicina e os seus saberes em tantas e tantas cidades europeia – Londres, Paris, Leiden, Montpellier, Bordéus, Génova – onde contactou com os cientistas mais reputados à época.

Um dos locais onde os seus saberes foram mais reconhecidos foi na Rússia, onde, em São Petersburgo, foi médico da czarina Ana Ivanovna e recebeu uma tença e um brasão de armas da imperatriz Catarina II, cujo mote era “Acreditava ter nascido para ser útil, não a si próprio, mas ao Mundo todo”.

E, está claro, daí até ser membro da Academia de Ciências de São Petersburgo, de Paris e de Londres foi um ápice.

Morreu em Paris, com 84 anos de idade.

Este é um excelente exemplo, de ontem é verdade, que poderíamos transpor para a atualidade. Para este mundo turbulento em que vivemos, onde a intolerância e a diferença perante aquilo que é o pensamento do poder gera perseguições.

Tentemos aprender, alguma coisa, por pouco que seja, com a História.

Acácio Pinto

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