Fazer uma audiência à memória nos espaços onde convivemos com pessoas, com as pessoas de quem gostávamos e com quem partilhámos tantos momentos, tantos sabores e saberes, tantas cumplicidades, é um daqueles atos que nos conforta, ampara e alimenta.
Ali, as imagens sucedem-se, os diálogos atropelam-se e a
catadupa de emoções assola-nos e consola-nos perante as cenas que nos levam até
esse ontem tornado, subitamente, tão agora. É assim como que uma transmutação
que sofremos, tornando-nos atores tão reais desse filme imaginário produzido e
realizado pela memória, pela nossa memória.
Vem isto a propósito da visita que fiz, com amigos, recentemente,
à Gralheira. Ao concelho de Cinfães. Às mágicas montanhas do Montemuro. Ao bucolismo das arouquesas soltas
na serra. À tranquilidade do silêncio só cortado pelo longínquo toque das
campainhas dos animais no pasto. À rusticidade do colmo como subtelha para aconchegar
as casas de granito moreno. À autenticidade de homens e mulheres em solidários
gestos ante o sofrimento dos seus semelhantes.
Sim, vem isto a propósito de uma visita aos territórios de
vida e da vida de um amigo. De um serrano tão conhecedor da sua terra, da sua serra
e dos seus. De um homem tão genuíno e autêntico na forma como viveu e comopartiu. De um cidadão, com certeza, como nós, mas muito mais erudito e sapiente
na perceção da semântica, quantas vezes invisível, dos territórios, daquele
território, e das gentes, afinal da vida.
Trata-se de um colega. Que foi nosso cicerone e parceiro, tantas vezes.
Que foi generoso. Que nos levou a sua casa e à sua cabana! Trata-se de amigo, de
um exímio contador de anedotas e que também tinha vícios, ou não fosse humano. Uns
mais prosaicos do que outros. O da caça. O do Benfica. O de comer bem…
E, já agora, tinha uma teimosia, a de fazer uma fogueira na
serra, nem que a chuva e a neve tornassem esse ato impossível, para qualquer
outro. É que ele tinha de grelhar, para ele e para os seus companheiros de caça, a carne
que ia no alforge.
Sim, lá estivemos, na Gralheira, cada um à sua maneira, a
dialogar com ele. Com o Zé Carlos!
Acácio Pinto
Nota: Almoçámos no restaurante Ecosta do Moinho, com nova gerência, mas com a qualidade de sempre!