Decorreu no dia 10 de maio no teatro Ribeiro Conceição, em Lamego, mais uma apresentação do livro "Essências", uma obra das Edições Esgotadas que consta de poemas de Acácio Pinto e de fotografias de Margarida Martins, tendo o prefácio a assinatura de Francisco Assis.
Aurelino Costa, poeta e consagrado "diseur", com vasta obra publicada em livro e cd/vídeo, também se associou a esta edição de "Essências" com um texto na contra-capa.
A muito aplaudida apresentação, detalhada e bem circunstanciada, esteve por conta de Cristina Correia, amiga do autor, mulher de cultura e da cultura, poeta e com vasta publicação na comunicação social e na blogosfera. 'Dissecou' o livro, de uma ponta à outra, leu vários poemas e fez contrapontos com diversos autores, Gonçalo Tavares, Italo Calvino e José Luís Peixoto.
Por parte da câmara municipal de Lamego interveio a vereadora da cultura, Marina Valle, que deu as boas vindas a todas e deixou bem expressa aquela que é a política da autarquia neste âmbito, disponibilizar os espaços municipais para a realização de eventos culturais, como foi o caso.
A encerrar usou da palavra o autor, Acácio Pinto, que para além dos agradecimentos, partilhou com os presentes o texto "sobre a origem da poesia" e que, abaixo, se transcreve.
Teresa Adão, das Edições Esgotadas, tinha logo no início enquadrado o evento para marcar o ritmo da sessão, anunciando que, esgotada que estava a primeira edição, nesta sessão se iria iniciar a venda da 2ª edição de "Essências".
Após as intervenções da mesa passou-se a palavra à plateia para as considerações e perguntas que houvessem por oportunas e, bem assim, foi efetuada a leitura de poemas, do livro, por várias pessoas presentes.
TEXTO: SOBRE A ORIGEM DA POESIA
«Aqui viemos hoje para falar sobre e de um livro que se
designa livro de poesia e ainda por cima com o título “Essências”.
Se desde logo pela poesia e pela linguagem poética muitos há
que entendem estar perante uma linguagem hermética e inatingível, também o
título essências poderá acabar por remeter tantos outros para o núcleo central
da origem das coisas e, igualmente, para uma certa intangibilidade.
Mas vamos então à poesia e ao livro. Desde já, será que este
livro se designa de poesia pela linguagem utilizada? Pelo seu conteúdo? Porque
é escrito por alguém que se acha poeta? Ou, já agora, será que alguém é poeta porque
usa a linguagem da poesia?
E aqui chegados estamos colocados perante o principal
problema com que tantos investigadores, filósofos, homens e mulheres das artes
e das letras se confrontam há tantos e tantos anos. Há séculos.
Que é: Afinal de onde vem a poesia? Qual a sua origem?
Mas estas e tantas outras questões conexas, parecendo tão
complexas, terão, forçosamente, que ter respostas bem simples.
E as respostas simples são sempre aquelas que traduzem a
verdade. E se traduzem a verdade, só podem utilizar uma linguagem, a linguagem
da verdade. A linguagem da poesia: uma linguagem una, uma linguagem que efetue
a fusão entre o significante e o significado.
É que, nesta nossa perspetiva, nesta nossa visão, só através da
poesia se persegue e ascende à expressão comunicacional mais forte, porque mais
elementar. Mais simples, portanto.
A poesia tem que estar sempre, então, na senda de um retorno
ao tempo em que a relação íntegra e íntima entre o nome e a coisa, entre os
signos e os objetos, entre os significantes e os significados, era uma e a
mesma coisa. Ao tempo em que não necessitávamos de elementos de ligação, elementos
externos para nos direcionarem. Todo o processo era interno, era um todo.
Exemplificando, em vez de se dizer “o homem É bom”, nessa
linguagem, dizia-se “homem bom”; em vez de “o céu É azul” dizia-se “céu azul”; e
em vez de “o mar É salgado” dizia-se “mar salgado”.
Através da poesia, portanto, procura-se um regresso àquele
tempo em que as duas dimensões ainda se não haviam cindido e em que os
elementos de ligação, neste caso o verbo ser, ainda não haviam sido inventados
pelas derivas multi comunicacionais do exercício do poder e da vida esquiva.
E é por isso que, mais do que a poesia que hoje fazemos e que
no futuro faremos, tudo não é mais do que, só e sempre, uma busca da intimidade
maior que nasce nas fontes primeiras e que brota de dentro de cada eu poético.
A poesia é essa deriva. Esse caminho. Esse Sísifo constantemente carregado,
encosta acima, com essa grande pedra e que, tantas vezes, quando está a
aproximar-se desse cume mais alvo, eis que ela se solta e regressa ao sopé. À
base, ao sopé para um novo início.
E cada eu poético, cada um dos poetas, e aqui estão tantos,
direi todos os que aqui estão, nessa busca incessante dessa linguagem una desse
“corpus” primacial, nos parece e surge, então, como um fingidor “Finge tão completamente / Que chega a
fingir que é dor / A dor que deveras sente”, como nos diz Fernando Pessoa
na autopsicografia.
Mas é um fingidor ou um captador dessoutra realidade a que
ele acedeu? Ou quer aceder? Finge ou revela a verdade captada pelo seu olhar de
poeta?
Socorro-me de Rainer Maria Rilke, um poeta do séc. XIX,
nascido em Praga, mas de quem se dizia que a sua verdadeira pátria era a
poesia, uma pátria sem fronteiras, quando afirmava que “nenhuma profissão tem as dimensões necessárias às grandes coisas de
que a verdadeira vida é feita”. E isto para quê? Para corroborar a tese de
que é através da poesia, das dimensões artísticas que se acede a essa dimensão
nuclear, à origem das coisas. Não através de qualquer desempenho de uma
profissão, enquanto tal, enquanto tarefa mecânica e mecanizada. Sem a
internalidade do ato de fazer.
E socorro-me de Rilke, portanto, para se perceber que não há
bisturi, ou pipeta, nem bússola ou quadrante, não há técnica ou instrumento
para aceder à origem da poesia.
Ela flui, salta, ela possui o poeta, o ser, carregada dos
seus sons e palavras que este deixa escorrer até ao poema corpo, poema estrada,
poema dor, poema fado, poema amor… até ao poema verdade.
E eis pois aí, aqui, o desiderato de todas essas fases que eu
não conheço, de todas as químicas cujas fórmulas me/nos são insondáveis.
Eis o resultado dessa alquimia que vos oferto, essências de
que me liberto, mas de que não estou certo que vos levem a minha verdade, a
verdade que me tomou em cada momento de escrita… antes passará a ser a vossa
verdade, a verdade diferente, mas a verdade de cada um que ler esta poesia que
mais não é do que a projeção do vosso olhar sobre cada uma e cada de um vós.
Minha só foi no momento criativo, que morto está há muito.
Não sei se vos falei da origem da poesia, mas enquanto discorremos
sobre isso estivemos lá, na origem, cada um bebeu na sua fonte primeira.
Não será essa a origem da poesia?
Acácio Pinto
2014.05.10»