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Excelente serão cultural, com Bagão Félix, na Biblioteca da Figueira da Foz

 


Sempre gostei de conhecer o lado B das propostas, dos projetos e das pessoas. Ficarmos reduzidos a um único olhar, a uma só perspetiva, à narrativa exclusiva, reduz a nossa capacidade de decidir, de encontrar o melhor caminho e de ajuizar bem seja sobre aquilo que for ou sobre quem for.

Vem isto a propósito da sessão que teve lugar ontem à noite, 18 de setembro, na Biblioteca Municipal Pedro Fernandes Tomás, na Figueira da Foz. Eu conhecia o lado A de António Bagão Félix. O de político, de ministro, o de economista, em suma o de figura pública.

Bem, ontem, nas “5.as de Leitura”, em torno do último livro de Bagão Félix, Quarenta Árvores em discurso direto pude conhecer o seu outro lado, o seu lado B. E se eu até nutria alguma simpatia por ele, embora sendo nós de áreas diferentes, ele da democracia cristã, conservador, e eu da área do socialismo democrático e da social-democracia — signifique esta taxonomia política aquilo que significar —, agora fiquei rendido ao conversador, ao botânico, ao humanista e ao cidadão com uma visão holística.

Nesta iniciativa, “5.as de Leitura”, superiormente conduzida por Teresa Carvalho, professora e crítica literária, numa conversa intimista, reflexiva e tranquila em torno da literatura e dos livros, foi possível aceder, com naturalidade, a aspetos do pensamento e do relacionamento do convidado com a vida e com o mundo. Aos de “escrevedor” rigoroso e cultor da língua portuguesa, que gosta de a tratar bem na sua diversidade semântica e lexical. Aos de amante — "um amador, que ama" — das árvores e das plantas em geral, que, sendo vitais para o equilíbrio dos ecossistemas e para a vida do homem na Terra, deveriam ser merecedoras de mais respeito e interação por parte da sociedade. Aos de homem que utiliza o tempo, nesta fase da sua vida, que definiu de “pós-laboral”, para se embrenhar na terra, no seu monte alentejano, onde planta, cultiva e frui a evolução das suas árvores.

Uma nota final para dizer que ontem, quando Bagão Félix referiu que a Economia foi a sua opção de vida e que a Botânica era a sua amante, fez-me lembrar Anton Tchekhov, médico e escritor russo, quando disse, no final do século XIX, que tinha uma esposa legítima, que era a Medicina e uma amante que era a Literatura.

Parabéns à Biblioteca Municipal e ao Município da Figueira da Foz por estas “5.as de Leitura” e muitas mais boas conversas com outros convidados.

Acácio Pinto, 19 de setembro de 2025

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