As paisagens rurais das aldeias da Beira Alta eram, outrora, por alturas do equinócio de setembro — quando ambos os hemisférios se encontram igualmente iluminada pelo Sol —, dominadas por duas construções que se têm vindo a perder e que hoje estão em vias de extinção: os palheiros e os espigueiros.
Os palheiros eram construções de palha que se faziam anualmente durante a
malhada, depois de aquela ser debulhada durante a sua passagem pelo
tambor da malhadeira. Refira-se que a malhada era uma das
atividades agrícolas mais difíceis de executar, sobretudo pelo pó e pelas
praganas que se libertavam do centeio ou do trigo durante tal operação.
A propósito, acrescente-se que, igualmente, era sempre um encanto para a
pequenada assistir à operação de malhar o centeio que começava com a instalação da malhadeira amarela — feita pela
família Mota de Águas Boas, uma marca que ainda hoje perdura — nas eiras das
aldeias. Com os esbugalhados seguiam toda a operação sem perder pitada. Da máquina a chegar, puxada por
uma junta de vacas; da sua montagem numa área mais direita; e do acionamento do
motor com uma manivela. Depois era a alegria de ver aquelas engrenagens de
rodas e correias a trabalhar e de perceber que cada uma, daquele sem número de pessoas que ali estavam à volta, tinha uma tarefa específica, qual sistema fabril de produção em série.
Sim, e no final, quando a palha saía para uma plataforma, já sem grão, era ver mulheres e homens a acarretá-la aos baçados para o palheiro cuja construção era feita ali mesmo ao lado. Este, exigia um trabalho rigoroso e com uma técnica específica de modo a que no final, aquela construção cónica fosse impermeável à chuva que se avizinhava. Eram poucos os que detinham tal saber, os que tinham ‘diploma’ para executar tal obra. É que, se os palheiros não levassem as voltas certas, eles deixavam entrar a chuva e lá se ia a palha seca para a cama dos animais durante o inverno e para as enxergas dos agricultores, uma vez que ainda não havia colchões de molas. Era necessário proceder à substituição da palha das enxergas com regularidade, onde as pulgas e os percevejos espreitavam, sobretudo na cama das crianças que nem sempre conseguiam controlar os esfíncteres.
Quanto aos espigueiros. Essas, ao contrário, não eram
construções anuais. Essas, construídas também nas eiras, eram executadas em ripas
de madeira, com intervalos entre si, para o ar circular. Eram estruturas
erigidas, normalmente, sobre uma base de granito e com uma cobertura de telha. A
sua durabilidade era de décadas.
Era lá que os lavradores metiam as espigas de milho, para
secarem ‘debaixo de telha’, quando o tempo andava ‘farrusco’. Depois
aproveitava-se uma ‘aberta’ e lá vinha a malhadeira do milho (também com a
marca Mota) que, apesar de ser mais simples e ter menos incorporação de
tecnologia do que a do centeio,, era igualmente uma máquina que representava
uma grande evolução tecnológica relativamente ao mangual. Esta separava os
grãos de milho do carolo e, com o coanho, partículas muito leves e finas que se
soltavam, enchiam-se as travesseiras das camas.
Estes são sinais dos tempos, de um tempo (segunda metade do
século XX) que jamais regressará nos mesmos moldes. E se hoje ainda temos por
aí alguns ‘moicanos’ eles ou estão ancorados em projetos turísticos ou então
representam a vontade de homens e mulheres que teimam em executar estas tarefas
em obediência a impulsos românticos de regresso às origens.
Acácio Pinto, por altura do equinócio de setembro de 2025