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Entrevista de António Costa ao jornal Público de hoje, 17.06.2015

Foto: Jornal PÚBLICO
António Costa recusa-se a comentar o caso Sócrates, incluindo o seu impacto político. Continua a não assumir um candidato a Belém. Se for primeiro-ministro, assume que demitirá qualquer ministro que seja investigado por corrupção. E garante que vai moralizar e racionalizar as obras públicas, assim como recolocar no Estado a capacidade técnica e de análise, por forma a acabar como as consultadorias e o outsourcing

PÚBLICO: Sampaio da Nóvoa estava na Convenção. Será o candidato apoiado pelo PS?
António Costa: O professor Sampaio da Nóvoa deu-nos a honra de assistir à sessão de encerramento, como já fez no passado. Quanto às Presidenciais, não há nada de novo a dizer para já. No momento próprio, o PS apreciará as candidaturas que existirem dentro da sua família política e decidirá se e quem apoia.
Por que convidou Sampaio da Nóvoa e não Henrique Neto?
Enviámos convite ao conjunto de pessoas com quem temos um relacionamento político normal.
Henrique Neto é militante do PS.
Como todos os militantes do PS, são convidados por natureza.
Outra promessa que faz é descongelar as carreiras da função pública em 2018. Haverá condições para promover pessoas?
Recordar-se-á que durante vários meses, o PS não assumiu compromissos sobre um conjunto de matérias. Resistimos sempre à pressão de assumir compromissos antes de cumprir com rigor a metodologia que nos tínhamos proposto: primeiro, definir uma estratégia com a Agenda para a Década; segundo, fazer a análise do quadro macro-económico para definir a margem orçamental. E em função disso, concluirmos um programa onde o conjunto das medidas tenham sido avaliadas, os seus impactos medidos, e os compromissos poderem ser assumidos com a segurança de que podem ser cumpridos. A medida de que fala resulta do próprio cenário-macro-económico. Que prevê, em primeiro lugar, acelerar a reposição dos cortes salariais. Em segundo lugar, pôr fim a esta estratégia de desvalorização e esvaziamento do conjunto da administração, repondo o príncipio da contratação de um por um.

Haverá admissões?
Haverá, em substituição das saídas, o que não quer dizer que seja para o serviço onde se verifique uma saída. As admissões serão feitas em função dos serviços onde é prioritário fazer reforços. Designadamente no domínio da saúde ou dos serviços consulares, que foram particularmente depauperados. Mas prevê-se também, no calendário, e em função da evolução do que está previsto, avançar com o descongelar das progressões.
Vai manter os actuais regulamentos sobre mobilidade?
O que propomos é que a lógica não seja de despedimento, mas que, cada vez mais, os funcionários públicos ou os quadros sejam cada vez menos partilhados por serviços e sejam cada vez mais quadros comuns ao conjunto da administração. Por isso, defendemos a criação de centros de competência transversais aos diferentes ministérios. Por exemplo, o Estado não pode continuar a não ter recursos próprios nas competências jurídicas para a negociação de grandes contratos, tendo de recorrer, sistematicamente, à requisição, em outsourcing de escritórios de advogados ou de analistas financeiros. Isso fragiliza a protecção do interesse público e torna aqueles que servem momentaneamente o Estado mais permeáveis à influência, normal, da actividade que desenvolvem noutras circunstâncias para os seus clientes privados.
Vão ter essas competências nos ministérios?
O que faz sentido é ter, a nível central, um centro de competências onde possamos centralizar as grandes contratações públicas do Estado e as análises financeiras que o Estado tenha de solicitar. Quando dizemos que precisamos de retomar a contratação na administração pública não é fazer mais do mesmo. O esforço de racionalização do Estado tem de prosseguir, mas não pode ser feito à custa da perda de qualificação de recursos humanos.

Quais são as desvantagens d actual sistema de contratação a entidades privadas?
O objectivo é reforçar a isenção, a imparcialidade e a independência. A administração pública durante muitos anos tinha dos melhores quadros nos mais diferentes domínios. A política de sucessivas décadas de descapitalização dos recursos humanos foi enfraquecendo a capacidade do Estado. E o Estado acabou por fazer mais o outsourcing das funções onde se requer inteligência do que nas funções relativamente indiferenciadas onde até fazia mais sentido ter recorrido aos serviços privados. Um motorista, teoricamente, não tem de ser um funcionário do Estado. Mas os técnicos que apreciam o contrato de uma concessão de uma auto-estrada, ai, isso tem todas as vantagens que não estejam momentaneamente a trabalhar para o Estado [mas sim que trabalhem em permanência para o Estado]. Por mais sérios que sejam, é uma questão de princípio.
O programa fala na promiscuidade no sector financeiro. Quem é deve fiscalizar e com que poderes efectivos?
A legislação sobre união bancária que tem sido produzida pela UE é um salto em frente da maior importância. Mas não podemos continuar a ter estas áreas de sobreposição ou indefinição de competências entre a regulação bancária e a regulação financeira ou a regulação da actividade seguradora. É necessário clarificar, reforçar a confiança que os cidadãos têm que ter no funcionamento destas instituições. Aprendemos com esta crise que uma má gestão num banco pode ter consequências muito mais gravosas do que pequenas irregularidades administrativas que são cometidas numa repartição de uma junta de freguesia.
Tenciona reverter a privatização da TAP. Como é que isso é exequível?
Não sei se será necessário reverter porque nenhum de nós sabe se, até ao dia da tomada de posse do próximo governo, estará consumada essa operação. Essa decisão está sujeita a diferentes autorizações. Faremos aquilo que for possível fazer, no respeito da legalidade, para garantir aquilo que é necessário garantir: que o Estado não perca 51 % do capital da empresa.

O Conselho das Obras Públicas não é paralisante ou redundante da acção do Governo? Se já existisse há uns anos, por exemplo, o Euro 2004 tinha acontecido na mesma, mas provavelmente o Alqueva não.
Esta ideia parte da minha experiência e do que eu vivi com três governos enquanto presidente da Câmara de Lisboa e de como não era sequer necessário mudar de Governo, bastava mudar de ministro. Temos de pôr termo ao conflito político em torno das obras públicas que não acontece em nenhum outro país. Primeira regra, temos de alinhar o programa de obras públicas com o ciclo de programação de fundos comunitários, porque, sejamos realistas, será sobretudo à custa de fundos comunitários que as poderemos financiar. O que temos de fazer na próximo legislatura é executar o que, mal ou bem, tenha sido negociado no actual quadro financeiro. Temos de começar a prepararmo-nos para o quadro comunitário de 2020 a 2027. O que propomos é que, até 2018, seja feito o estudo de quais são as infra-estruturas de que o país necessita, que seja fito o debate público, que se possa em 2018 submeter à aprovação da Assembleia da República por uma maioria de dois terços o conjunto do programa. E que até 2020 se possa negociar com a União Europeia.
É esse o objectivo?
É. Como também ter melhor informação técnica produzida internamente. Não é possível o Estado andar a gastar milhões de euros em estudos que têm sempre assegurados milhões de euros no contra-estudo a defender o contrário. E já todos percebemos que há um conjunto de empresas de consultadoria que têm uma espécie de repartição do mercado, defendendo tudo e o seu contrário consoante a posição de uns e outros. Temos de estabilizar estas opções. A Espanha, em muitos aspectos, tem um debate político muito mais complexo, muito mais radicalizado do que nós temos, mas os grande projectos de obras públicas são consensualizados. E não passa pela cabeça de ninguém que o Governo que chegue pare uma auto-estrada que está em construção ou decida fazer uma alteração radical relativamente a qualquer projecto.

E com os custo que isso teve.
São decisões que são tomadas não é para a legislatura, não é para as nossas vidas é para os séculos futuros. As decisões que o Fontes Pereira de Melo tomou relativamente à rede ferroviária ainda hoje beneficiamos ou suportamos as consequências negativas delas. Agora são decisões que são de tal modo condicionantes para o futuro do país, para as quais temos de ter a melhor informação possível para a decisão e depois que não andem em zigue-zague. Não há país nenhum do mundo onde a esquerda e a direita se possam distinguir por se há comboio ou não há comboio ou se o porto é aqui ou ali.
Se alguém na sua equipa na direcção do PS ou algum membro de um eventual Governo por si liderado for investigado por actos de corrupção que atitude toma? Está disposto como fez, por exemplo, Dilma Rousseff, que demitiu imediatamente quem foi investigado por corrupção?
Não é possível exercer cargos públicos sobre suspeição. A nossa ordem jurídica, apesar disso habitualmente não ser bem entendido, obriga o Ministério Público a abrir investigação sobre qualquer denuncia, mesmo que anónima, mesmo que tenha ou não fundamento. O que posso dizer é o seguinte. Sempre que houver uma dúvida fundada por parte do Ministério Público relativamente à prática de qualquer ilícito por parte de um membro do Governo, isso implica necessariamente a cessação de funções por parte desse membro do Governo. Mas sublinho, dúvidas fundadas.
O que quer dizer por dúvida fundada?
Confio que o Procurador-Geral da República comunique no devido momento que entende que existe dúvidas fundadas que aconselham à cessação dessas funções. Creio que é a forma institucionalmente adequada a respeitar a autonomia do Ministério Público, de não implicar na violação do segredo de Justiça, mas de um correcto relacionamento entre órgãos do Estado.
Pensa que José Sócrates devia estar já em detenção domiciliária?
Como sabe, estabeleci como regra que não me pronunciarei sobre assuntos que estão sob alçada da Justiça e que deve ser a Justiça a apreciar.
Retirando a parte sob alçada da Justiça, teme que este caso prejudique o PS?
Isso é uma questão para jornalistas políticos. Eu, desde que sai da Quadratura do Círculo interrompi a minha actividade de comentador.
Não quer falar do possível aproveitamento político do caso José Sócrates?
Como tudo o que acontece no mundo, qualquer facto releva positiva ou negativamente para a vida. Mas isso é um tema de jornalistas.
Preocupa-o o momento em que seja feita a acusação? Se for antes das eleições.
Como lhe disse não tenciono dizer nada que condicione de uma forma ou de outra o exercício da actividade da Justiça. Portanto, não só não comento as suas decisões, como não comento ou sugiro os seus timings. Cumpre-me confiar no sistema de Justiça para ter a certeza de que também os actos processuais decorrerão no momento em que devem decorrer e não em função do calendário político.
Portanto, não dirá nada sobre um conjunto de coincidências como a detenção na altura da realização do Congresso do PS e o anúncio da decisão da pulseira electrónica precisamente no momento em que o PS apresenta o programa eleitoral. Não é coincidência a mais?

Não me ouviram até agora pronunciar-me sobre isso e a única coisa que me ouviram dizer e continuarão a ouvir dizer, mesmo que repitam agora numa quinta forma diversa a mesma pergunta, é que não me pronunciarei sobre casos que estão sob a alçada da Justiça, designadamente este.
(in: www.público.pt - 17.06.2015)

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