Avançar para o conteúdo principal

Declaração de voto sobre a proposta de crime de violência escolar

Declaração de voto sobre a Proposta de Lei 46/XI/2ª do Governo relativa à violência em meio escolar que subscrevi conjuntamente com os deputados do PS: Filipe Neto Brandão, Manuel Seabra, Maria Antónia Almeida Santos, Jorge Fão, José Miguel Medeiros, Luís Gonelha, Odete João, Rui Pereira, Marques Junior e José Manuel Ribeiro.
«Ao ponderarmos a criação de um novo tipo legal de crime importa ter desde logo presente que, com a alteração do Código Penal operada pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, a alínea l) do art. 132º passou a incluir o inciso “… ou membro da comunidade escolar…
Com esse inciso, a agravante passou assim a incluir, além dos docentes, os demais funcionários, bem como os alunos e encarregados de educação. Ora, atenta as remissões dos art.s 145º, 155º e 184º, resultou que os casos mais graves de ofensa à integridade física e coacção agravada contra alunos e operadores escolares passaram, desde então, a beneficiar da almejada tutela penal.
A autonomização do crime de violência escolar só se justificará, pois, se se quiser tutelar algo que, justificando-se ser tutelado pelo direito penal, ainda não esteja tutelado por este.
Sucede que, não obstante a exposição de motivos da proposta de Lei referir – e bem - que o school bullying “na sua essência, se caracteriza pela reiteração de actos praticados por um ou mais agressores contra outro elemento da mesma comunidade escolar que, por razões diversas, se encontra numa situação de maior fragilidade”, a verdade é que o tipo incriminador prescinde inexplicavelmente dessa reiteração na redacção que propõe para o tipo legal incriminador do art.º 152-C.
Ora, importa recordar também que, face ao conceito de “funcionário” do art. 386º do Código Penal e bem assim do disposto nos art.s 242º e 243º do CPP, correr-se-á o sério risco de, atenta a abrangência do tipo legal ora proposto, passar a existir um dever de participação às autoridades judiciárias de praticamente todos os conflitos entre membros da comunidade escolar susceptíveis de gerar moléstias físicas e psíquicas.
O que esta proposta faz, assim, é, como refere o Parecer da Procuradoria Geral da República, “promover a intervenção das autoridades judiciárias como instância formal de controlo no âmbito da comunidade educativa, mesmo quando não exista qualquer vontade de membros dessa comunidade quanto à entrada judiciária na escola nem constrangimentos à comunicação das notícias dos crimes, sendo certo que, no caso dos titulares das responsabilidades de direcção, gestão e administração das escolas, a denúncia não constitui um acto de vontade mas um dever legal…”
A possibilidade de autonomizarmos um novo tipo legal de crime, descolando-o dos tipos já existentes que tutele um bem específico (“ambiente escolar seguro e salutar”!?) pode bem ser o ponto de chegada de uma reflexão mais profunda. A redacção do tipo que nos é proposta, porém, manifestamente não percorreu esse caminho. Esperamos, para podermos aderir à sua criação, que a discussão na especialidade possa ainda vir a fazê-lo.»

Mensagens populares deste blogue

Sermos David e Rafael, acalma-nos? Não, mas ampara-nos e torna-nos mais humanos!

  As palavras, essas, estão todas ditas. Todas. Mas continua a faltar-nos, a faltar-me, a compreensão. Uma explicação que seja. Só uma, para tão cruel desenlace. Da antiguidade até ao agora, o que é que ainda não foi dito? O que é que falta dizer? Nada e tudo. E aqui continuamos, longe, muito distantes, de encontrar a chave que nos abra a porta deste paradoxo. Bem sei que, quiçá, essa procura é uma impossibilidade. Que não existe qualquer via de acesso aos insondáveis desígnios. Da vida e da morte. Dos tempos de viver e de morrer. Não existe. E quando esses intentos acontecem em idades prematuras? Em idades temporãs? Tenras? Quando os olhos brilham? Quando os sonhos semeados estão a germinar? Aí, tudo colapsa. É a revolta. É o caos. Sermos David e Rafael, nestes tempos cruéis, não nos acalma. Sermos comunidade, não nos sossega. Partilharmos a dor da família, não nos apazigua. Sermos solidários, não nos aquieta. Bem sei que não. Mas, sejamos tudo isso, pois ainda é o q...

JANEIRA: A FAMA QUE VEM DE LONGE!

Agostinho Oliveira, António Oliveira, Agostinho Oliveira. Avô, filho, neto. Três gerações com um mesmo denominador: negócios, empreendedorismo. Avelal, esse, é o lugar da casa comum. O avô, Agostinho Oliveira, conheci-o há mais de meio século, início dos anos 70. Sempre bonacheirão e com uma palavra bem-disposta para todos quantos se lhe dirigiam. Clientes ou meros observadores. Fosse quem fosse. Até para os miúdos, como era o meu caso, ele tinha sempre uma graçola para dizer. Vendia sementes de nabo que levava em sacos de pano para a feira. Para os medir, utilizava umas pequenas caixas cúbicas de madeira. Fossem temporões ou serôdios, sementes de nabo era com ele! Na feira de Aguiar da Beira, montava a sua bancada, que não ocupava mais de um metro quadrado, mesmo ao lado dos relógios, anéis e cordões de ouro do senhor Pereirinha, e com o cruzeiro dos centenários à ilharga. O pai, António Oliveira, conheci-o mais tardiamente. Já nos meus tempos de adolescência, depois da revolu...

Ivon Défayes: partiu um bom gigante.

  Ivon Défayes: um bom gigante!  Conheci-o em finais dos anos oitenta. Alto e espadaúdo. Suíço de gema. Do cantão do Valais. De Leytron.  Professor de profissão, Ivon Défayes era meigo, afável e dado. Deixava sempre à entrada da porta qualquer laivo de superioridade ou de arrogância e gostava de interagir, de comunicar. Gostava de uma boa conversa sobre Portugal e sobre a terra que o recebeu de braços abertos, a pitoresca aldeia do Tojal, que ele adotara também como sua pela união com a Ana. Ivon Défayes era genuinamente bom, um verdadeiro cidadão do mundo, da globalidade, mas sempre um intransigente cultor do respeito pela biodiversidade, pelo ambiente, pelas idiossincrasias locais, que ele pensava e respeitava no seu mais ínfimo pormenor. Bem me lembro, aliás, das especificidades sobre os sons da noite que ele escrutinava, vindos da floresta, da mata dos Penedinhos Brancos – das aves, dos batráquios e dos insetos – em algumas noites de verão, junto ao rio Sátão. B...