Avançar para o conteúdo principal

Crónica em três atos | Ato 2: Do respeito pelas opções dos outros

Aqui: Para ler o ATO 1 -  Do que fomos, do que somos

Olho, daqui. Deste hoje. Deste agora complexo. Que não gosto de ver simplificado com propostas básicas. Com olhares maniqueístas. Preto ou branco. De absolutas certezas.

Vejo um povo. Uma nação. Um país que se move. Envolvido nas suas circunstâncias. E a não poder descurar tudo aquilo que o envolve. Nos territórios mais próximos e nos espaços geopolíticos mais distantes.

E tudo isto acontece num tempo controverso. Em que tudo é controvertido. Discutido. Contestado. Sob pontos de vista respeitáveis. Muito radicalizados. Mais uns dos que outros. Ao olhar de cada um de nós. Ao nosso. Olhar (de)formado pelas nossas idiossincrasias. Biológicas. Sociais. Culturais. Antropológicas. Geográficas. E sei lá mais o quê.

Somos testemunhas de um tempo, este, em que cada palavra, cada frase, cada artigo, uma qualquer lei é pelejada, acareada e dirimida em contendas acaloradas. Com argumentos. Os mais diversos.

Hoje somos agentes, atores de um mundo em que cada cidadão tem a sua voz amplificada. Difundida urbi et orbi através da ponta dos dedos e da plêiade de plataformas digitais que se oferecem a todos. Logo também a cada um nós, dos quase onze milhões de nossos homólogos, de nossos parceiros, dos cidadãos que aqui nasceram ou aqui se radicaram e vivem. 

Mas neste enorme campo de ruído e de ruídos nós precisamos de escutar. Também temos necessidade de silêncio. Bastante urgência em definirmos regras, largas e alargadas, que nos protejam, que protejam a liberdade e a democracia. De normas e preceitos que não nos forcem a contorcer a voz e os quereres.

As escolhas, essas, como sempre, deverão ser feitas, têm de ser feitas por nós. Por cada um. Pela nossa sensibilidade. Quantas vezes mais do que pela razão.

Qualquer uma delas, qualquer opção, é respeitável. Todas legítimas. Nenhuma mais ou menos certeira, desde que forjada cá dentro. Em liberdade e respeito, depois das sínteses que cada um fizer de tudo aquilo que a realidade lhe trouxer. Lhe traz neste agora. Neste vento que passa.

Precisamos de menos gritos e mais ideias. Menos telas e mais conteúdos. Menos rancores e mais civilidade. Menos ‘plástico’ e mais genuinidade. Seja para o governo local. Para o nacional. Ou para o mais alto magistrado da nação.

A polis só é verdadeiramente humanista se os valores do respeito interpares estiver em cada um dos nossos atos. Todos os dias.

Acácio Pinto 11 de agosto de 2025

Foto: Fresco de Rafael Sanzio (séc. XVI) - Escola de Atenas com Platão e Aristóteles ao centro.

Mensagens populares deste blogue

Sermos David e Rafael, acalma-nos? Não, mas ampara-nos e torna-nos mais humanos!

  As palavras, essas, estão todas ditas. Todas. Mas continua a faltar-nos, a faltar-me, a compreensão. Uma explicação que seja. Só uma, para tão cruel desenlace. Da antiguidade até ao agora, o que é que ainda não foi dito? O que é que falta dizer? Nada e tudo. E aqui continuamos, longe, muito distantes, de encontrar a chave que nos abra a porta deste paradoxo. Bem sei que, quiçá, essa procura é uma impossibilidade. Que não existe qualquer via de acesso aos insondáveis desígnios. Da vida e da morte. Dos tempos de viver e de morrer. Não existe. E quando esses intentos acontecem em idades prematuras? Em idades temporãs? Tenras? Quando os olhos brilham? Quando os sonhos semeados estão a germinar? Aí, tudo colapsa. É a revolta. É o caos. Sermos David e Rafael, nestes tempos cruéis, não nos acalma. Sermos comunidade, não nos sossega. Partilharmos a dor da família, não nos apazigua. Sermos solidários, não nos aquieta. Bem sei que não. Mas, sejamos tudo isso, pois ainda é o q...

JANEIRA: A FAMA QUE VEM DE LONGE!

Agostinho Oliveira, António Oliveira, Agostinho Oliveira. Avô, filho, neto. Três gerações com um mesmo denominador: negócios, empreendedorismo. Avelal, esse, é o lugar da casa comum. O avô, Agostinho Oliveira, conheci-o há mais de meio século, início dos anos 70. Sempre bonacheirão e com uma palavra bem-disposta para todos quantos se lhe dirigiam. Clientes ou meros observadores. Fosse quem fosse. Até para os miúdos, como era o meu caso, ele tinha sempre uma graçola para dizer. Vendia sementes de nabo que levava em sacos de pano para a feira. Para os medir, utilizava umas pequenas caixas cúbicas de madeira. Fossem temporões ou serôdios, sementes de nabo era com ele! Na feira de Aguiar da Beira, montava a sua bancada, que não ocupava mais de um metro quadrado, mesmo ao lado dos relógios, anéis e cordões de ouro do senhor Pereirinha, e com o cruzeiro dos centenários à ilharga. O pai, António Oliveira, conheci-o mais tardiamente. Já nos meus tempos de adolescência, depois da revolu...

Ivon Défayes: partiu um bom gigante.

  Ivon Défayes: um bom gigante!  Conheci-o em finais dos anos oitenta. Alto e espadaúdo. Suíço de gema. Do cantão do Valais. De Leytron.  Professor de profissão, Ivon Défayes era meigo, afável e dado. Deixava sempre à entrada da porta qualquer laivo de superioridade ou de arrogância e gostava de interagir, de comunicar. Gostava de uma boa conversa sobre Portugal e sobre a terra que o recebeu de braços abertos, a pitoresca aldeia do Tojal, que ele adotara também como sua pela união com a Ana. Ivon Défayes era genuinamente bom, um verdadeiro cidadão do mundo, da globalidade, mas sempre um intransigente cultor do respeito pela biodiversidade, pelo ambiente, pelas idiossincrasias locais, que ele pensava e respeitava no seu mais ínfimo pormenor. Bem me lembro, aliás, das especificidades sobre os sons da noite que ele escrutinava, vindos da floresta, da mata dos Penedinhos Brancos – das aves, dos batráquios e dos insetos – em algumas noites de verão, junto ao rio Sátão. B...