Meu bom amigo, Acácio:
Quis a vida que as nossas vidas se cruzassem.
Foi assim na política. Foi assim na atividade profissional.
Foi assim na formação académica. Foi assim na escrita.
Há uns anitos atrás, neste mesmo espaço, tive a subida honra
de te ter como apresentador do meu escrito sobre a participação de S. Pedro do
Sul na IGM.
E é óbvio que, agora, perante o convite para apresentar esta
tua lavra, “OVolframista”, eu jamais poderia recusar este meu modesto
contributo. A nossa amizade é grande demais para negacionismos. Até
porque quem arrisca a expressão pública da escrita só deve merecer apoios e
elogios à beleza que o casamento feliz das letras encerra. E tu já vais na
enésima obra, por entre os vários modos de o fazer.
Pois aqui estamos.
Confesso que li a tua obra de uma só penada. Como fiz em
tempos com “O Equador”, esse colosso de Sousa Tavares, que devorei em dois
dias. O teu foi apenas numa tarde de domingo. Porque, tal como aquele, a tua
escrita é simples e factual. Por isso é absorvente, agarra-nos. E,
constantemente, transporta-nos para os sítios geográficos e temporais com toda
a mestria. Por exemplo, gostei de me rever em Santos Idos e Rosmaninhos, onde
passei algum tempo da minha adolescência em trabalho.
À digníssima plateia adianto que as palavras usadas são tão
nossas, tão beirãs, que às vezes parece estarmos a ler Aquilino Ribeiro, ou a
ouvir os nossos mais velhos nas aldeias a falar ao serão perante o crepitar da
lareira, ou ao balcão da taberna. Tal e qual.
A história que contas, Acácio – como, de resto, todas as
demais que são escritas por todos os autores -, é biográfica. Obviamente. Nem
poderia ser de outra forma.
E ainda bem que assim é. E sabes bem porquê. Porque só é
verdadeiramente sentido o que é vivido. E esse lastro é lindo, é bom, é puro.
Não é preciso inventar outras fórmulas. E tu, sendo nado e criado, como nós, em
meio rural, tens as melhores e mais genuínas raízes da língua portuguesa, sem
os questionáveis tiques urbanos.
Tal como adorei teres recuperado, para introito e como
metáfora, aquele delicioso pedacinho do António Aleixo, ele que também veio de
baixo, do povo.
A história de Abel Fernandes, o teu volframista, é uma
história muito bem esgalhada, que começa em Paris e em Paris acaba.
Mas cuja trama, ou enredo, se centra na nossa região, concretamente no Alto
Vouga, do nosso Vouga. História de uma vida que não correu bem, é certo. Como
não correram bem muitas outras vidas de mineiros, ou de simples garimpeiros,
nas minas das nossas montanhas da Freita, Arada e S. Macário, como nas Chãs,
Manhouce, e em Rio de Frades e Regoufe, Arouca, a que fazes referência, onde
ingleses, alemães e portugueses, a curtíssimas distâncias, disputavam filões
minerais do precioso e negro metal e saias, muitas saias. E enquanto britânicos
e alemães se digladiavam e matavam na Europa, por cá enamoravam-se
pacificamente pelas mesmas mulheres. De resto, todos eles deixando marcas genéticas
no ventre de algumas delas.
Aqui, em S. Pedro do Sul, também um distinto encarregado
houve, nas minas de Regoufe, que fez gorda fortuna com a extração e
intermediação no negócio do volfrâmio. Também, e não por acaso, existiu uma
“separadora” no Bairro da Ponte, onde dominaram negócios marginais à grande
extração serrana.
Para não falar no exponencial e cedo enviuvar de muitas
senhoras, com a morte precoce dos maridos devido à fatal silicose provocada
pelo “pó das minas”, algum carregado de cianeto. Pude testemunhar isso em Covas
do Rio, junto de algumas delas.
E, tal como dizes sobre o abrupto novo-riquismo de Abel, por
cá também se contam as mesmas cenas do uso de notas como mortalhas para
produzir cigarros, quando os lucros do minério estavam no auge e alucinavam as
mentes por entre os efeitos do álcool e da cagança.
Por isso a busca de filões de quartzo com os milagrosos
cristais de volframite despertou a mineração clandestina em muitos
proprietários. Como no Loureiro e Vagem, em Sul, ou Gourim e Sequeiros, em S.
Martinho das Moitas, que vendiam na separadora.
Apreciei particularmente as excelentes caracterizações
políticas, sociais, económicas e históricas do nosso Portugal, que foste
enquadrando sempre que a propósito e útil no decorrer da obra. E sabes porquê?
Porque essa arte é uma das valias conferidas pela formação geográfica, formação
onde desaguam (ou de onde partem) os demais saberes. Daí a especial
sensibilidade para escrever, como fazes aqui. Ouvi esta tirada de notáveis
jornalistas, uma que até conheces. O que registei com muito agrado e agora te
endosso.
Abel Fernandes – com o seu estatuto de novo-rico, que, de
tão rápido subiu na vida como logo caiu no abismo sem boia de salvação, tendo
de fugir para França para escapar à cadeia e à morte, pela ganância apressada e
irrefletida – é claramente a antítese do que deve ser o empresário responsável,
atento e inteligente. E se é verdade que a riqueza tem as suas virtudes, também
é verdade que os defeitos e os vícios a acompanham lado a lado, espicaçando a
todo o momento a tentação para a deriva, para a asneira.
Sendo esta uma lição a retirar deste teu brilhante legado,
outra é o enorme contributo que dás para a historiografia da nossa região e do
país, naquele miserável tempo da Segunda Guerra Mundial e seus efeitos
colaterais em países terceiros, como aconteceu em Portugal.
Caro Acácio, perdoa-me a escusa em não revelar pormenores do
conteúdo, mas eu não quero tirar ao leitor o entusiasmo e a curiosidade desta
história romanceada, que tão bem, mas mesmo tão bem, nos contas. Não por acaso
mereceu prémio. E não por acaso vai já na 2.ª edição.
Muitos parabéns, pois, por este brilhante produto, que te
deu, seguramente, muito trabalho na busca das muitas fontes para nelas colheres
apontamentos, até chegares ao ponto final. Mas tenho a certeza que também te
deu muito prazer. Tal como um filho é sempre um livro aberto, também um livro
não deixa de ser um filho para quem o redige.
Ficamos à espera de mais. Que a inspiração não esmoreça e a
pena não te fira a mão da redação, ou o teclado do computador não colapse.
Acácio, muito, mas muito bem hajas. Do coração.
Salão Nobre do Balneário Rainha D. Amélia, Termas de S.
Pedro do Sul, em 16 de julho de 2023
António Gomes
Nota: Um agradecimento ao António
Ferreira Gomes pelas excelentes palavras sobre o livro O Volframista, ditas na
tarde de domingo, dia 16 de julho no Auditório do Balneário Rainha Dona Amélia
– Termas de São Pedro do Sul.