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É sempre bom “beber” um bom livro e “ler” um bom vinho

É sempre bom, “beber” um bom livro e “ler” um bom vinho
O mote foi dado pelo “nosso” Aquilino Ribeiro, esse mago da literatura, nado e criado nas serranias da Lapa e da Nave: “O pior dos crimes é produzir vinho mau, engarrafá-lo e servi-lo aos amigos”.
Um mote perfeito para uma conversa, não exclusivamente sobre vinhos, como o mote pode prenunciar, não sobre as castas do Dão ou do Demo, mas a perfeição do mote está no facto de que através dele se pretendia também, ou quase por inteiro, falar de livros no festival “Tinto no branco” de Viseu.
Este casamente entre vinhos e livros, mais do que de conveniência, foi um casamento, não duvido, por “amor”, entre Baco e Atena, entre o vinho e a sabedoria.
Provou-se vinho, discutiu-se sobre vinho, “folheou-se” vinho e que se saiba não foi cometido nenhum crime. Vinho do bom, nem todo de excelência, pudera, mas todo acima de qualquer suspeita do crime de que Aquilino falava.
Sobre livros também se dissecou. Foram muitos os convidados. Foram tantos os palestrantes, ou talvez “conversadores”, gosto mais assim, que passaram pelo Solar do Vinho do Dão!
Falaram com certeza das suas “colheitas”, dos seus livros “imperfeitos”, daqueles que por mais que os amigos e leitores gostem de “beber”, nunca conseguem traduzir tudo quanto o autor tinha em mente à data da conceção. Falta-lhe sempre alguma “acidez”, algum “aveludado”, algum “encorpamento” e algum “frutado”.
Ah, e também se falou do “engarrafamento” de livros. Das empresas “engarrafadoras” que tantas e tantas vezes têm de ceder ao mercado. Têm de se “casar” com alguns livros só por conveniência para dar dimensão comercial ao negócio, sempre difícil, da edição de livros.
É por isso que mais vezes do que devia, as “paixões” pelos livros, tal qual pelos vinhos, demasiadas vezes têm que baixar à terra, descer da sua construção mental, para levarem mais alguma percentagem ou de Touriga-nacional, ou de Tinta-Roriz, ou de traição, ou de amor proibido, precisamente, para responderem, corresponderem a esse mercado enformado por uma poderosa indústria de marketing.
Mas, se nos livros se notou alguma nostalgia, a de que “hoje já não há autores como antigamente”, como Eça, Camilo, ou Dostoievsky, por mais “frutos vermelhos” que se coloquem nos livros dos autores de agora, já nos vinhos a coisa é completamente diferente. São cada vez melhores. Cada vez mais sofisticados. Cada vez mais de excelência. De antigamente, só mesmo os vinhos finos do Douro.
Seja como for, a síntese perfeita estará sempre no prazer, na interpelação mais profunda que uns e outros, que os vinhos e os livros na interação com a nossa “alma”, nos causam quando os lemos e bebemos, ou bebemos e lemos… e nas circunstâncias de cada momento!

Acácio Pinto

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