Corria o ano de 1995. Era ano de eleições legislativas, depois de Cavaco Silva ocupar a cadeira de primeiro-ministro há dez anos consecutivos.
António
Guterres, o secretário-geral do PS, para tomar o pulso ao país, decidiu
organizar uma caravana que desse a volta a Portugal. Designada “Por uma nova
maioria”, essa caravana era constituída por um autocarro onde se deslocava
António Guterres, vários dirigentes socialistas e jornalistas dos diversos
órgãos de comunicação social. Em cada distrito, a caravana era acompanhada por
carros dos socialistas locais, que se lhe juntavam.
No distrito
de Viseu, o traçado, previamente elaborado, não integrava a passagem pelo
concelho de Sátão. A caravana vinha de Lamego e Moimenta da Beira, passava por
Vila Nova de Paiva e dirigia-se a Viseu onde haveria um almoço com os
comerciantes, na Federação dos Vinhos.
Os
socialistas de Sátão, face à exclusão do seu concelho do itinerário,
revoltaram-se e começaram a manifestar o seu descontentamento ante o presidente
da federação do PS Viseu, José Junqueiro.
Este,
parecendo-lhe justa a aspiração dos socialistas de Sátão, envidou todos os
esforços junto da direção nacional e do coordenador da caravana, mas em vão.
Porém, face
à contínua e reiterada pressão (água mole em pedra dura…) lá se conseguiu, in extremis, a autorização para que o
autocarro fizesse um desvio pelo Sátão, onde os socialistas locais se desdobraram,
à última da hora, em contactos para conseguirem uma boa mobilização. Para além
disso, ainda tiveram tempo (numa noite) para fazerem uma tarja com a inscrição
“Sátão saúda o futuro Primeiro-ministro” e para encomendarem alguns foguetes
que estralejaram à chegada do autocarro.
E foi assim
que, nessa segunda-feira, dia 22 de maio, apesar das duas horas de atraso,
quando o autocarro parou na rua Dr. Hilário Almeida Pereira, em frente à Caixa de
Crédito Agrícola de Sátão, mais de uma centena de satenses ainda aguardavam, o
secretário-geral do PS que, mal desceu do autocarro foi prendado com uma salva
de palmas e com um ramo de rosas vermelhas. Foi-lhe, igualmente, entregue, por uma
delegação de agricultores concelhios, uma exposição sobre os prejuízos causados
pelas geadas negras que se haviam abatido sobre as colheitas do concelho e da
região algumas semanas antes.
A paragem
foi breve, pois o tempo urgia, uma vez que do programa constava um almoço em
Viseu e eram já, quase, 14 horas.
Esta crónica
ficaria, porém, incompleta se nada mais se dissesse.
Vamos então
prosseguir e deixar, para memória futura, os contornos que antecederam a
chegada ao Sátão.
***
O argumento
dos socialistas de Sátão, para convencer a caravana a efetuar o desvio, era
muito simples. Se iam para Viseu, demoravam sensivelmente o mesmo tempo quer
fossem por Cepões quer viessem pela Queiriga e pelo Sátão. A diferença era de
escassos minutos e, assim, sempre davam um ânimo especial aos socialistas do
concelho de Sátão.
E se, em
teoria, o argumento era válido, daquilo que ninguém se lembrou foi de que o
autocarro era de dimensões avantajadas e a estrada de Vila Nova de Paiva para o
Sátão era estreita, cheia de curvas e contracurvas e tinha, a acrescer, uma
ponte sobre o rio Vouga que, para além de ser ainda mais estreita do que a
estrada, tinha uma curva de acesso em ângulo reto, dificultando assim o
enquadramento do autocarro com o tabuleiro da ponte. Ora, esta circunstância
constituiu-se como uma verdadeira aventura e uma operação de elevado risco.
Depois de
passar as Minas, o autocarro não poderia ir para para trás, pois não tinha onde inverter a marcha. Ou seguia em frente ou
só sairia dali com um guindaste.
Portanto,
mal chegou à ponte o motorista confrontou-se com a provável impossibilidade de
a atravessar, o que gerou uma enorme agitação e o stresse, generalizado, estava
à flor da pele. As manobras sucederam-se e nada. Ganhavam-se uns centímetros
mas a outra margem continuava inacessível, porque não havia espaço para
enquadrar o autocarro com a ponte. Contudo, o motorista (um experiente e
competente profissional) lá conseguiu – já com o suor a correr em bica e por
entre um vasto chorrilho de impropérios impercetíveis – enquadrar
milimetricamente o autocarro e passar na ponte que os ingleses haviam
construído para escoar o volfrâmio e o estanho do Couto Mineiro de Lagares.
Este
episódio, rocambolesco e que hoje partilho, com o distanciamento de 30 anos,
deixou todos os socialistas que estavam no autocarro em grande agitação e
nervosismo, nomeadamente o futuro primeiro-ministro de Portugal e atual secretário-geral
da ONU.
Nesta
sequência, António Guterres, uma das mais admiráveis pessoas que deram o seu
forte contributo à política em Portugal, por quem sempre tive uma enorme admiração e uma excelente
relação de amizade, ciciou-me, no Sátão, antes de se despedir e reentrar no autocarro, uma frase improvável, daquelas de bolinha vermelha, que ainda hoje
guardo e que, essa sim, continuará guardada com ternura na minha memória.
Em outubro
desse ano, no dia 1, as eleições ditaram, a nível nacional, uma maioria
absoluta para o PS e em Viseu, sob a liderança de José Junqueiro, que foi o
cabeça de lista, os socialistas elegeram 4 deputados (o dobro de 1991). Já o
PSD, que tinha tido nas anteriores 7 deputados, agora passou a 4 e o CDS elegeu
1.
Memórias!
Acácio Pinto
22.05.2025