Avançar para o conteúdo principal

De forma surpreendente, mas não de todo inesperada, faleceu o Papa

 

Texto de Louro de Carvalho

Aparecera, de súbito, na celebração da Eucaristia que marcou o Jubileu dos Doentes, na celebração do Domingo de Ramos, numa visita, sem as vestes papais, às obras de beneficiação da zona do altar da Cátedra, na Basílica de São Pedro, visitou a prisão Regina Caeli, onde assistiu à missa, com o rito do Lava-pés, recebeu a visita de Carlos III e a do James David Vance e pronunciou a bênção Urbi et Orbi no Domingo de Páscoa, embora o texto da sua mensagem tenha sido lido por um dos prelados da Casa Pontifícia.

Entretanto, a partir das 7h35 da manhã desta Segunda-Feira de Páscoa, a notícia vou pelo Mundo inteiro: “Morreu Papa Francisco, aos 88 anos de idade.”

De imediato, começaram a surgir, na comunicação social e nas redes sociais, os ecos da notícia e as reações à morte do Sumo Pontífice, em geral, de elogio ao seu perfil humano e eclesial, assim como à sua obra eclesial e política.

Os testemunhos vêm de chefes de Estado e de Governo, de líderes religiosos de vários quadrantes, de organizações não-governamentais (ONG), desde logo, da Organização das Nações Unidas (ONU) e, obviamente, de dentro da Igreja Católica.

A nível noticioso, limito-me a transcrever o que refere a Euronews, às 12h54 do dia 21:

“O Papa Francisco, o primeiro pontífice latino-americano, morreu aos 88 anos. Jorge Mario Bergoglio era conhecido pela sua humildade, pela defesa dos pobres e pelos seus esforços para modernizar a Igreja Católica.

“O Sumo Pontífice, que vivia com uma doença pulmonar crónica, após perder parte de um pulmão na juventude, foi internado no hospital Gemelli, em Roma, no dia 14 de fevereiro. Francisco enfrentava uma crise respiratória que tinha evoluído para uma pneumonia bilateral.

“Jorge Mario Bergoglio, nome nativo do Papa Francisco, passou 38 dias no hospital, marcando a estadia [hospitalar] mais longa do seu papado de 12 anos.

“No Domingo de Páscoa, um dia antes da sua morte, Francisco apareceu na Praça de São Pedro, onde abençoou os milhares de pessoas presentes e encantou a multidão com um passeio no seu papamóvel.”    

***

Por mim, recordo, com alguma nostalgia, o 13 de março de 2013, o meu último ano de serviço docente. Era uma quarta-feira e dia de reuniões de todos os grupos disciplinares.

Como era habitual, conduzi a reunião do meu grupo, mantendo o meu computador em cima da secretária, mas com o ecrã voltado para mim e para a parede. De início, distribuí uns bombons pelos presentes, sustentando que da reunião sairia o novo papa, obviamente, sem qualquer certeza do que estava a dizer, mas com o pretexto de que os eminentíssimos cardeais estavam em conclave. Porém, uma das colegas lançou a ideia de que os bombons se deviam ao meu aniversário natalício. E a reunião prosseguiu no cumprimento da agenda e durou o tempo regulamentar, sem que ficasse qualquer ponto por tratar ou que alguém tivesse deixado de usar da palavra.

Ao terminar, a reunião, com base no fumo branco que via, pelo computador, a sair da chaminé da Capela Sistina, declarei: “Habemus Papam!” (“Temos Papa). E, como os colegas ficaram admirados com a minha asserção, revelei que, durante a reunião, mantivera a ligação à Internet. Por isso, vi o fumo branco, mas ainda não tinha sido anunciado quem tonha sido escolhido.

Só a caminho de casa é que ouvi, pela rádio, o anúncio feito pelo cardeal protodiácono Jean-Louis Pierre Tauran, segundo o qual fora escolhido para o sumo pontificado o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires.

Por isso, comecei a dizer que este papa nasceu no mesmo dia que eu, embora com menos 62 anos.

De facto, até essa data, era Mario Jorge; depois, passou a ser Francisco.

A escolha do seu nome era programática. Ao ser eleito, o novo pontífice escolheu o nome de Francisco, segundo o próprio, uma referência a Francisco de Assis, pela “sua simplicidade e dedicação aos pobres” e motivado pela recomendação do cardeal Dom Cláudio Hummes, franciscano e arcebispo emérito de São Paulo, logo após sua eleição, ainda na Capela Sistina: “Não te esqueças dos pobres!”

Quando lhe foi perguntado, na Capela Sistina, se aceitava a escolha, disse: “Eu sou um grande pecador, mas, confiando na misericórdia e paciência de Deus, no sofrimento, aceito.”

***

Este é, em suma, o perfil do pontífice por quem a Igreja Católica e o Mundo estão a fazer luto. É o prelado da Igreja paladino da misericórdia, da compaixão, a qual postula o abandono do pecado e a prática da justiça, não como vindicta, mas como regeneração, não principalmente como punição pelos erros, mas, sobretudo, pelo acolhimento, pela inclusão, pela integração. Por isso, é que Francisco é o papa dos pobres, dos doentes, dos sem-abrigo, dos marginalizados, dos migrantes e dos refugiados, dos presos, das vítimas da guerra, das mulheres, dos idosos, dos jovens, das crianças, de todos os marginalizados e descartados. Por isso, é que é o paladino da ecologia, da economia social e evangélica (contra a economia que mata), da esperança e da paz.

Ao nível da obra de Francisco, salienta-se a sua produção doutrinal, com relevo para a exortação apostólica “Evangelii gaudium”, programática do seu pontificado, para as encíclicas “Lumen fidei”, “Laudato si”, “Fratelli tutti” e “Dilexi nos”, para as reformas da Cúria Romana e do Sacro Colégio dos Cardeais, do Código de Direito Canónico e do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, bem como do governo do Estado Cidade do Vaticano e do Instituto das Obras De Religião (IOR), o banco do Vaticano.

Foi polémica a sua atenção aos divorciados e aos homossexuais. Porém, insistiu na abertura da Igreja a “todos, todos, todos”.

Colocou mulheres em lugares-chave da administração da Santa Sé

Celebrou um Ano Jubilar da Misericórdia, lançou o Jubileu ordinário de 2025 e pôs em marcha a sinodalidade na Igreja, a nível diocesano, a nível continental e a nível mundial. Deu oportunidade de voto, no sínodo, a religiosos e religiosas (não padres ou freiras) e a leigos, incluindo as mulheres.

Percorreu o Mundo, principalmente, em visita a países onde os católicos são minoritários, encontrou-se com líderes judaicos e com muçulmanos e fez ouvir a sua voz, em vários areópagos internacionais, como a ONU, o Parlamento Europeu e o Conselho da Europa. Deu particular atenção à Amazónia e aos problemas eclesiais que escandalizaram o Mundo.

Por fim, devo salientar a sua capacidade de atenção ao Mundo e à Igreja, durante o tempo da sua doença. O agradecimento que foi manifestando, a contínua intervenção nos assuntos do Mundo e da Igreja, a escrita dos textos das mensagens do Angelus, das catequeses de quarta-feira, das homilias jubilares e de Semana Santa que os seus delegados nas cerimónias proferiam, constituem as últimas marcas da sua solicitude, bem como os textos da Via-Sacra da última Sexta-feira Santa, da sua autoria, que mostram bem a sua doutrina e a sua piedade, centradas em Cristo e de olhar bem atento aos sofrimentos e às esperanças do Mundo, onde estão presentes os sinais de Deus, que tantos e tantas não querem ver. 

Os últimos dias de Francisco fazem-me lembrar os últimos dias de João Paulo II, se não pela lucidez doutrinal, pela piedade e pelo sofrimento à vista do Mundo, sem ocultar a miséria da condição, mas de coração ao alto!

Oxalá que o próximo conclave acerte num Sumo Pontífice com marca semelhante à deste ou, se possível, ainda melhor.

2025.04.21 – Louro de Carvalho

Mensagens populares deste blogue

Sermos David e Rafael, acalma-nos? Não, mas ampara-nos e torna-nos mais humanos!

  As palavras, essas, estão todas ditas. Todas. Mas continua a faltar-nos, a faltar-me, a compreensão. Uma explicação que seja. Só uma, para tão cruel desenlace. Da antiguidade até ao agora, o que é que ainda não foi dito? O que é que falta dizer? Nada e tudo. E aqui continuamos, longe, muito distantes, de encontrar a chave que nos abra a porta deste paradoxo. Bem sei que, quiçá, essa procura é uma impossibilidade. Que não existe qualquer via de acesso aos insondáveis desígnios. Da vida e da morte. Dos tempos de viver e de morrer. Não existe. E quando esses intentos acontecem em idades prematuras? Em idades temporãs? Tenras? Quando os olhos brilham? Quando os sonhos semeados estão a germinar? Aí, tudo colapsa. É a revolta. É o caos. Sermos David e Rafael, nestes tempos cruéis, não nos acalma. Sermos comunidade, não nos sossega. Partilharmos a dor da família, não nos apazigua. Sermos solidários, não nos aquieta. Bem sei que não. Mas, sejamos tudo isso, pois ainda é o q...

JANEIRA: A FAMA QUE VEM DE LONGE!

Agostinho Oliveira, António Oliveira, Agostinho Oliveira. Avô, filho, neto. Três gerações com um mesmo denominador: negócios, empreendedorismo. Avelal, esse, é o lugar da casa comum. O avô, Agostinho Oliveira, conheci-o há mais de meio século, início dos anos 70. Sempre bonacheirão e com uma palavra bem-disposta para todos quantos se lhe dirigiam. Clientes ou meros observadores. Fosse quem fosse. Até para os miúdos, como era o meu caso, ele tinha sempre uma graçola para dizer. Vendia sementes de nabo que levava em sacos de pano para a feira. Para os medir, utilizava umas pequenas caixas cúbicas de madeira. Fossem temporões ou serôdios, sementes de nabo era com ele! Na feira de Aguiar da Beira, montava a sua bancada, que não ocupava mais de um metro quadrado, mesmo ao lado dos relógios, anéis e cordões de ouro do senhor Pereirinha, e com o cruzeiro dos centenários à ilharga. O pai, António Oliveira, conheci-o mais tardiamente. Já nos meus tempos de adolescência, depois da revolu...

Ivon Défayes: partiu um bom gigante.

  Ivon Défayes: um bom gigante!  Conheci-o em finais dos anos oitenta. Alto e espadaúdo. Suíço de gema. Do cantão do Valais. De Leytron.  Professor de profissão, Ivon Défayes era meigo, afável e dado. Deixava sempre à entrada da porta qualquer laivo de superioridade ou de arrogância e gostava de interagir, de comunicar. Gostava de uma boa conversa sobre Portugal e sobre a terra que o recebeu de braços abertos, a pitoresca aldeia do Tojal, que ele adotara também como sua pela união com a Ana. Ivon Défayes era genuinamente bom, um verdadeiro cidadão do mundo, da globalidade, mas sempre um intransigente cultor do respeito pela biodiversidade, pelo ambiente, pelas idiossincrasias locais, que ele pensava e respeitava no seu mais ínfimo pormenor. Bem me lembro, aliás, das especificidades sobre os sons da noite que ele escrutinava, vindos da floresta, da mata dos Penedinhos Brancos – das aves, dos batráquios e dos insetos – em algumas noites de verão, junto ao rio Sátão. B...