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Uma história necessária | Recessão de José Lapa sobre O Volframista

 


[O texto que se segue – recensão sobre O Volframista – foi publicado por José Lapa na sua página do Facebook.]

Depois de anos e anos de leitura, uma paixão maior na minha vida, desculpem a presunção, há livros que me chegam pela intuição: este Volframista, de Acácio Pinto, chegou-me pelo faro.

Não me enganei, nem podia enganar, a mesma presunção literal.

Uma obra que sopra, em narrativa clara, as cinzas de um tempo em que se misturam, em cocktail inabalável do pior da natureza humana: crime, ganância, egoísmo, infidelidade, ditadura, guerra. Querem mais?

O tempo do negócio do volfrâmio que durante a II Grande Guerra marcou um país bolorento.

Este trabalho de Acácio Pinto, numa narrativa solta e fluente, faz da realidade ficção, pouca, e da ficção realidade, muita: linhas muito ténues onde a ficção fica a perder.

A este propósito lembro Javier Marias, “na literatura séria, há cada vez menos ficção”, e ainda, como disse, Rushdie, “a literatura está ao serviço da verdade”. E é isto que o autor pretende, numa evidente paixão telúrica, manter a chama da verdade, reacendendo uma das fogueiras tétricas da história, depois de o Grande (maiúscula propositada) Aquilino, também profundo conhecedor desta região, ter feito o mesmo, já em 1943.

Acácio Pinto, não deixa de convocar a linguagem do povo rural à colação narrativa, o que substancia o texto.

E no meio do clamor da história, e do exacerbado calor da natureza humana que a pestilenta ditadura sedimentou, há um fim feérico para provar que apesar de tudo a esperança não morre, nunca, e que o mundo pode ser bem melhor.

Falta apenas explicar o título do post, dou a palavra a T S Eliot:

“O tempo presente e o tempo passado

Estão ambos talvez presentes no tempo futuro

E o tempo futuro contido no tempo passado”

[primeiros versos do poema Burnt Norton]

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