Chegam em carrinhas. Durante a noite. Mochilas às costas.
Rostos fechados. E vão para caves onde se deitam, a monte, em enxergas ainda
quentes da fornada anterior. Fecham os olhos e são acordados, pouco depois, sem
terem tido tempo de dormir.
Vão às latrinas a correr. É tempo de partir. De chegarem ao
trabalho prometido. De se confrontarem com a dura realidade da nova vida que
não é.
O tempo passa. As estratégias não.
As circunstâncias mudam. Os comportamentos não.
Ontem eram os emigrantes portugueses ou magrebinos acamados
e enlatados em bidonvilles nos arredores de Paris, de Marselha ou nos vinhedos
de Sauterns. Hoje são imigrantes indianos ou filipinos atulhados em quartos
bafientos de prédios soturnos; ou de contentores abrasivos no centro de Lisboa
ou do Porto; ou nas profundezas de além Douro ou no Alentejo intensivo.
De ontem sobraram trabalhadores à mercê de esquemas
clandestinos falados em língua estrangeira e pagos com o suor do carregamento
de baldes de argamassa. De hoje abundam homens acorrentados a teias
internacionais de tráficos tenebrosos ditos em códigos encriptados e pagos com
trabalho que quase não deixa noite para descansar.
Dois tempos. O mesmo desiderato. Gerações de dois séculos. O
mesmo trato. Duas sociedades. A mesma desumanidade.
Hoje. Tal e qual ontem!
Acácio Pinto (24.05.2023)