Avançar para o conteúdo principal

[opinião] A saga de Crato contra o ensino artístico

Percebeu-se, desde cedo, a saga persecutória de Nuno Crato contra o ensino artístico especializado e as artes em geral.
Todas as medidas que paulatinamente foi tomando no decurso do seu mandato, desde 2011, tiveram esse objetivo. Reduzir a escola básica e secundária a uma mera unidade de formatação de alunos para os conhecimentos essenciais e de treino para os exames. A vida nas escolas portuguesas tornou-se, assim, em repetitivos automatismos, tendo ficado vedado qualquer espaço de inovação e de criatividade a professores e alunos.
E nesta matriz, de estreitamento do currículo, de reinvenção de disciplinas estruturantes e de criação de irracionais metas curriculares, transformaram-se as artes, as humanidades, o exercício do pensamento crítico e a cidadania, em ‘subprodutos’ do processo educativo e, consequentemente, foram perseguidas e perderam centralidade com todas as inerentes consequências.
Vem isto a propósito daquilo que este ano letivo, de novo, se está a passar com o ensino artístico especializado. Estamos a escassos dias do início do ano escolar e temos alunos do ensino articulado e supletivo que não sabem o que lhes vai acontecer, devido a elevados cortes no financiamento das academias e dos conservatórios, onde estavam tempestivamente matriculados.
O problema é de enorme gravidade e está, naturalmente, a agitar e a deixar perplexas as comunidades educativas das mais de cem escolas que prestam este ensino através de contratos de patrocínio com o ministério da educação, estando-se já a assistir a despedimentos e a alunos e pais em estado de choque pelo facto dos seus filhos não irem ter financiamento.
E se a questão é simples, a resposta também tem que o ser. Ou seja, cabe a Nuno Crato dá-la de imediato, sossegando sem tergiversações as partes envolvidas. Ou então desmentir todos os estudos internacionais que apontam para o maior sucesso e melhor preparação destes alunos para a vida académica e profissional futuras.
O que não se admite é o prolongamento deste sadismo ministerial, relativamente ao sofrimento das pessoas com ligação às artes. É que, e não se esqueça, já no ano letivo anterior a situação do financiamento foi caótica, o que instabilizou todo o ano letivo. Houve manifestações, petições públicas, concertos em frente ao ministério, academias e conservatórios que encerraram portas e professores que estiveram vários meses sem receber os seus salários.
Porém, como se vê, nada foi feito, com certeza por incompetência, mas também e sobretudo por uma ideológica vontade de atacar as artes.
Este padrão comportamental, do Governo, para com o ensino artístico especializado em particular e para com a educação em geral merece uma forte censura e estou convicto que vai ter o consequente chumbo no próximo dia 4 de outubro.

Acácio Pinto
www.observador.pt

Mensagens populares deste blogue

Sermos David e Rafael, acalma-nos? Não, mas ampara-nos e torna-nos mais humanos!

  As palavras, essas, estão todas ditas. Todas. Mas continua a faltar-nos, a faltar-me, a compreensão. Uma explicação que seja. Só uma, para tão cruel desenlace. Da antiguidade até ao agora, o que é que ainda não foi dito? O que é que falta dizer? Nada e tudo. E aqui continuamos, longe, muito distantes, de encontrar a chave que nos abra a porta deste paradoxo. Bem sei que, quiçá, essa procura é uma impossibilidade. Que não existe qualquer via de acesso aos insondáveis desígnios. Da vida e da morte. Dos tempos de viver e de morrer. Não existe. E quando esses intentos acontecem em idades prematuras? Em idades temporãs? Tenras? Quando os olhos brilham? Quando os sonhos semeados estão a germinar? Aí, tudo colapsa. É a revolta. É o caos. Sermos David e Rafael, nestes tempos cruéis, não nos acalma. Sermos comunidade, não nos sossega. Partilharmos a dor da família, não nos apazigua. Sermos solidários, não nos aquieta. Bem sei que não. Mas, sejamos tudo isso, pois ainda é o q...

JANEIRA: A FAMA QUE VEM DE LONGE!

Agostinho Oliveira, António Oliveira, Agostinho Oliveira. Avô, filho, neto. Três gerações com um mesmo denominador: negócios, empreendedorismo. Avelal, esse, é o lugar da casa comum. O avô, Agostinho Oliveira, conheci-o há mais de meio século, início dos anos 70. Sempre bonacheirão e com uma palavra bem-disposta para todos quantos se lhe dirigiam. Clientes ou meros observadores. Fosse quem fosse. Até para os miúdos, como era o meu caso, ele tinha sempre uma graçola para dizer. Vendia sementes de nabo que levava em sacos de pano para a feira. Para os medir, utilizava umas pequenas caixas cúbicas de madeira. Fossem temporões ou serôdios, sementes de nabo era com ele! Na feira de Aguiar da Beira, montava a sua bancada, que não ocupava mais de um metro quadrado, mesmo ao lado dos relógios, anéis e cordões de ouro do senhor Pereirinha, e com o cruzeiro dos centenários à ilharga. O pai, António Oliveira, conheci-o mais tardiamente. Já nos meus tempos de adolescência, depois da revolu...

Ivon Défayes: partiu um bom gigante.

  Ivon Défayes: um bom gigante!  Conheci-o em finais dos anos oitenta. Alto e espadaúdo. Suíço de gema. Do cantão do Valais. De Leytron.  Professor de profissão, Ivon Défayes era meigo, afável e dado. Deixava sempre à entrada da porta qualquer laivo de superioridade ou de arrogância e gostava de interagir, de comunicar. Gostava de uma boa conversa sobre Portugal e sobre a terra que o recebeu de braços abertos, a pitoresca aldeia do Tojal, que ele adotara também como sua pela união com a Ana. Ivon Défayes era genuinamente bom, um verdadeiro cidadão do mundo, da globalidade, mas sempre um intransigente cultor do respeito pela biodiversidade, pelo ambiente, pelas idiossincrasias locais, que ele pensava e respeitava no seu mais ínfimo pormenor. Bem me lembro, aliás, das especificidades sobre os sons da noite que ele escrutinava, vindos da floresta, da mata dos Penedinhos Brancos – das aves, dos batráquios e dos insetos – em algumas noites de verão, junto ao rio Sátão. B...