[Esta apresentação teve lugar no auditório Carlos Paredes em Vila Nova de Paiva, no dia 16 de abril de 2023.]
Antes de mais, começo por agradecer honradamente o convite
para este empreendimento, a apresentação de um livro. Espero, sinceramente,
estar à altura das expectativas, por se tratar de uma experiência nova.
Após a vinda a público de “O Volframista”, já muitos se
pronunciaram sobre esta obra de ficção, dificultando um pouco mais esta tarefa,
no sentido de evitar repetições e aportar algo de diferente. Espero que o
consiga!
Nada melhor do que começar por enquadrar a obra com
referências que surgem no seu final. Na página 161, podemos ler:
“Ali estavam, então, dois jovens, bisnetos de um
ascendente comum. Descendentes de um cidadão luso que, nos anos quarenta do
século XX, se deslumbrou, na sua terra, pela riqueza fácil e se perdeu nos
emaranhados dos negócios de um minério que marcou uma época em Portugal e no
mundo.”
A narrativa desenrola-se, assim, nos anos quarenta, à volta
da personagem principal, Abel Fernandes, que, com ambição, e talvez sorte à
mistura, foi trepando rapidamente na vida ao ponto de se transformar em homem
de negócios, na exploração e na comercialização de volfrâmio, por vezes
recorrendo à candonga, e que lhe moldou a personalidade.
Esta mudança de vida é caracterizada na página 126:
“Com o tempo a passar, e com o dinheiro a crescer na
carteira, os contactos de Abel Fernandes com as pessoas mais influentes e
poderosas da região aumentaram rapidamente, e ele tornou-se, em pouco mais de
um ano e meio, no homem com maior poder financeiro da aldeia dos Rosmaninhos.”
O estatuto e a notoriedade alcançados, em conjunto com o sócio
que, entretanto, se juntou, trouxeram-lhe algum poder de influência e
privilégios, de alguma forma “comprados”, ao ponto de, como se lê nas páginas
127 e 128:
“As portas das repartições públicas estavam-lhes
franqueadas, ou não pagassem eles, regularmente, almoços e bebidas a todos os
funcionários.”
No entanto, a obra “O Volframista” não se cinge ao mero
contar de uma narrativa ficcional pela mão do seu autor. Do ponto de vista da
narrativa, trata-se de uma obra digna de se intitular e enquadrar no conjunto
das obras literárias.
O tempo da narrativa inicia no ano de 2016, em Paris, no dia
da triunfante vitória de Portugal no Europeu de Futebol. Neste dia, após a
vitória de Portugal, Jorge, um lusodescendente, ao reagir às mensagens que
recebia enquanto conduzia, tem um acidente de automóvel, embatendo num mupi e
abalroando uma viatura onde seguia Bernadette, com quem, mais tarde, teria um
primeiro encontro. Deste primeiro capítulo, fica, desde logo, a curiosidade e o
interesse por descobrir o que se seguirá, na procura das cenas seguintes e da
teia da narrativa.
Segue-se uma sucessão sequencial de analepses, ou seja,
recuos no tempo narrativo, que cativam o leitor e o envolvem ao ponto de ser
difícil parar a leitura. No meu caso, li o livro em duas penadas.
No 2.º capítulo, salta-se para 1960, com a visita imprevista
e fugidia de Abel Fernandes, à sua terra natal, onde se encontra com o seu
cunhado Manuel dos Santos. Neste capítulo são acrescentados alguns dados que
alimentam o mistério e a curiosidade na narrativa.
No capítulo 3.º, recua-se mais, para dezembro de 1944,
altura em que Abel Fernandes, porque o cerco começava a apertar-se, foge para
França, de assalto, à semelhança de muitos emigrantes.
No capítulo 4.º, regride-se a fevereiro de 1940, quando Abel
Fernandes se apresenta nas Minas de Lugares para trabalhar no fundo da mina,
onde se explorava a volframite e a cassiterite, tal como referido na página 43.
A partir deste capítulo, a narrativa segue o seu percurso
temporal sequencial, levando o leitor a envolver-se na descoberta e na
compreensão dos suspenses anteriores, até que, no último capítulo, viaja-se
para o ano de 2017, para o casamento de Jorge e Bernardette, as personagens que
surgem no início da obra, fechando-se, desta forma, o ciclo narrativo.
Como refere o autor, numa advertência aos leitores, na
página 9, “O texto que se segue é de ficção. Qualquer verosimilhança, que se
queira estabelecer com qualquer realidade presente ou passada, será pura e mera
coincidência.”
De facto, trata-se de uma obra de ficção. No entanto, a obra
aparenta assentar e descrever um contexto real, dos anos quarenta, muito
próximo de nós, quer geograficamente, pela realidade vivida aqui bem perto, nas
Minas da Queiriga, quer humanamente, pela ligação a pessoas que viveram essa
dura realidade.
O autor teve, inclusivamente, a preocupação de ir
acrescentando notas explicativas, algumas delas remetendo para documentos
históricos.
Ao longo da obra, o leitor é confrontado com referências a
diferentes temáticas típicas da época central da narrativa, para além da
exploração mineira.
Deparamo-nos com o período salazarista; com a II Guerra
Mundial; com a emigração para França, a salto, como aconteceu a muitas gentes
destas terras, cujos descendentes por lá continuam e perpetuam esta memória;
com o Mestre Aquilino Ribeiro e as “Terras do Demo”; com as características do
volfrâmio e respetivos fins; com a sociedade dessa época, os estratos sociais e
as condições de vida, incluindo os copos ao domingo, na taberna, e as
extravagâncias dos novos ricos, usando notas de cem escudos ou de quilo como
mortalhas para cigarros… Naturalmente, cada leitor irá apropriar-se da
narrativa ao seu modo e destacar outros apontamentos.
Quando terminei a leitura desta obra, pela primeira vez, fui
assolado pela ideia de que, no campo da educação, constitui um verdadeiro
exemplo de um Domínio de Autonomia Curricular.
Um Domínio de Autonomia Curricular é uma forma de abordar
temas ou problemas sob perspetivas disciplinares, numa abordagem
interdisciplinar. De facto, “O Volframista” tem a potencialidade de um Domínio
de Autonomia Curricular porque, numa perspetiva conjuntural e articulada,
convoca conhecimentos e referências de diversas disciplinas para o estudo e a
compreensão de uma época, em Portugal e no Mundo, os primeiros anos da década
de quarenta. Dependendo do ano de escolaridade, poderemos falar de
aprendizagens de Português ou Literatura Portuguesa, de História, de Geologia,
de Ciências Naturais, de Economia, de Sociologia, de Geografia…
Neste contexto, “O Volframista” tem todo o potencial para
ser incorporado e trabalhado nas escolas, sobretudo por aquelas inseridas num
meio onde existe uma forte ligação ao fenómeno da exploração mineira, servindo
quer como ponto de partida e motivação para aprendizagens, quer como culminar
ou síntese de aprendizagens.
Em suma, partindo de uma realidade específica, o autor apresenta-nos uma narrativa, ficcional, cativante e envolvente, com marcas de vocabulário e expressões regionais, a lembrar Aquilino Ribeiro, onde cada leitor se irá embrenhar no enredo e explorar memórias! Parabéns, amigo Acácio Pinto, pela obra “O Volframista” e pelo reconhecimento que tem tido!
João Adelino Santos