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Onde fica o centro histórico de Sátão?

Por: Abel Estefânio
«Temos assistido, um pouco por todo o país, à revitalização dos centros históricos, quer pela reabilitação do seu património edificado, quer em termos de animação cultural e turística, pela realização de múltiplas atividades ligadas ao património imaterial desses lugares. No que respeita ao Sátão, por consulta da ata da reunião da Assembleia Municipal de 23 de junho de 2016, tomamos conhecimento da criação de um centro histórico centrado no edifício da Câmara Municipal (inaugurado em 1959), contendo a Biblioteca Municipal, o Bussaquinho, as Vigárias e a Rua de Angola. Ora, como referiu na altura o deputado Acácio Pinto, esta definição desvirtua o conceito de Centro Histórico, conhecido por se referir a núcleos antigos e monumentais anteriores ao século XIX.
Onde fica então o centro histórico do Sátão? Para a resposta a esta questão vamos fazer uso do manancial de documentação histórica de que o concelho dispõe, que nos mostra que na freguesia de Sátão (anteriormente designada por paróquia de Nossa Senhora da Graça), a localidade mais populosa não era a Vila da Sátão (anteriormente Vila da Igreja), mas o Tojal. A Vila de Sátão só adquiriria maior importância como centro urbano a partir do século XIX, pela integração no concelho de Sátão dos concelhos extintos de Rio de Moinhos, Silvã, Ladário, Gulfar e Ferreira de Aves e pela criação da respetiva comarca, em 1876.
O Tojal seria, portanto, antes do século XIX, a povoação mais importante do antigo concelho, e, certamente por esse facto, era a única nomeada nos mapas de Portugal desde o século XVI até ao século XVIII. Veja-se «Toial» (o «i» na grafia arcaica deve ler-se «j»), sensivelmente no centro do pormenor que apresentamos de dois mapas de Portugal, sendo o mais antigo de cerca de 1560. Repare-se, pois, que a importância da localidade do Tojal é mesmo anterior à fundação do Convento de Nossa Senhora de Oliva no século XVII.
Devo dizer que escrevo estas linhas sobre o Tojal na sequência de um colóquio a que tive a oportunidade e o prazer de assistir no passado dia 27 de janeiro, na Casa da Cultura de Sátão, subordinado ao tema “Património religioso, fé, arte e cultura”, que contou com uma completa enchente do auditório de interessados pela arte, património religioso, e cultura, que temos no nosso concelho. A organização deste colóquio foi do jornal digital Dão e Demo e do Agrupamento de Escolas de Sátão, tendo-se contado com o apoio do Município de Sátão, da Caixa Agrícola do Vale do Dão e do Alto Vouga, da rádio Alive FM, do Jornal Caminho e da Gazeta de Sátão. O colóquio foi moderado por Acácio Pinto, professor no Agrupamento de Escolas de Sátão, tendo como convidados Maria de Fátima Eusébio, do departamento dos bens culturais da diocese de Viseu, padre José Cardoso, pároco de Sátão e arcipreste do Dão e Carlos Paixão, professor do Agrupamento de Escolas de Sátão. Na abertura intervieram a diretora do Agrupamento, Helena Castro, e o presidente da Câmara de Sátão, Alexandre Vaz.
São muitas as ilações que se podem reter deste colóquio, pelo que só vou focar a minha atenção naquela que se me afigurou a mensagem mais dramática e a necessitar mais da nossa atenção. A Professora Doutora Fátima Eusébio referiu a igreja de Nossa Senhora da Oliva, no Tojal como a situação mais preocupante que tem na diocese de Viseu, mencionando a rápida degradação dos altares, que, se não forem sujeitos a uma intervenção, ameaçam a derrocada.
Outro fator de preocupação reside na situação de impasse da casa brasonada anexa à igreja, que é propriedade da Fundação São José. Dado os sucessivos fracassos na tentativa de a utilizar para fins de solidariedade social, seria de estudar a sua utilização para outros fins mais adequados a tão nobre e histórico local, quiçá uma pousada atendendo que a vila não dispõe atualmente de oferta de alojamento, libertando com isso os meios necessários à prossecução de obras sociais noutro lugar que se manifeste mais propício para o efeito. Tanto quanto me é dado perceber, uma ação que no imediato se poderia realizar era o levantamento arqueológico do local, pré-requisito de qualquer intervenção que se venha a realizar no futuro, e para o qual existe a possibilidade de ser comparticipado em 90% dos custos.
Questionado o presidente da autarquia sobre a situação da igreja da Oliva e da casa brasonada do Tojal, este informou não existir atualmente nenhum plano para abordar a questão. Constatamos assim, com apreensão, que apesar de a igreja da Oliva ser monumento de interesse público, nada se está a fazer para combater a sua degradação e que o Tojal, apesar de conter um património monumental considerável, é tratado como um subúrbio sem interesse, tendo ficado de fora do projeto de obras de requalificação a candidatar no programa Portugal 2020. Temos, contudo, espectativas de que a situação se possa alterar pela positiva. Como disse o Professor Carlos Paixão no colóquio, o facto de se reunirem sessenta pessoas numa noite de inverno para discutir o património já é um resultado excelente.
[Nota quanto ao mapa] Extrato de Mapa de Portugal, de cerca de 1700. Repare-se que, depois do destaque natural com que é assinalada a cidade de Viseu, o Tojal, assim como o Castelo de Ferreira de Aves, aparecem com a mesma sinalética utilizada de monumento com que é assinalado Trancoso. As localidades de importância menor são assinaladas apenas com um pequeno círculo.»
Texto publicado no Facebook de Abel Estefânio

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