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Nos corredores!


Eufémia, Asdrúbal, Inocência, Manuel e tantos outros. Precipuamente nomes dos anos 30 do século XX. Nomes debitados minuto a minuto num ritmo maquinal por quem, neste fim de linha, tem de dar resposta a um mar de problemas que não encontra solução a montante.
Por entre manobras de macas, que se atropelam em corredores congestionados por pulseiras amarelas e laranjas, sobram gemidos, silêncios, dores e gritos de quem procura um soro miraculoso ou um comprimido do além.
Em espaços desafogados, as secretárias anchas são, quantas vezes, inspiradoras de sestas e de renovados bocejos em cada dia que passa. As mesas redondas junto à janela casam, na perfeição, com a importância das reuniões ‘faz-de-conta’ que, quadrienalmente, acontecem para se apresentar, mais uma vez, aquela proposta de obras para ampliação da urgência ou para a construção da radioterapia (que tarda e muito!).
Por entre corredores e salões recobertos por madeiras nobres e tapeçarias flamengas sobram créditos de decisões tantas vezes ‘maltomadas’ por pareceres sustentados, que nos dizem ser, em análises estatísticas fatoriais e multivariadas.
Os exames prescritos são ditados para o digital de um sistema que funciona por gavetas que se abrem e fecham ao ritmo do clique de um raio x ou de um pipipi de um eletrocardiograma.
As batas amarelas ou azuis são tantas vezes suplicadas por olhos baços, que, em desespero, só querem ir ao WC, após horas sem fim naquele ‘IP3’ apertado e perigoso. As outras, as batas brancas, essas, são perseguidas pelo olhar ansioso de acompanhantes impotentes na esperança de que será agora.
Os intermediários, quais “intérpretes do povo”, por entre sápidos cocktails sociais, lá vão encontrando uns espaços para uns dribles e simulações que originem uns “spins” nas rádios e nos jornais com as consequentes partilhas pelos apaniguados nas redes sociais para nos convencerem de que a resolução está iminente.
Depois de sete horas, já com as gavetas cheias de linguagem de programação ditada pelos chips da tecnologia, surge uma bata branca a despedir-se de uns e a abrir novas gavetas para tantos outros que entretanto entraram para os corredores deste sem fim de uma vida sempre a acontecer.

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