Antigamente os defuntos lambiam os figos!
Fosse qual fosse a ancestral causa, a verdade é que os jovens e os adultos mais sugestionáveis, na Beira Alta, deixavam de comer figos a partir do dia 1 de novembro. A causa era simples, os defuntos, precisamente, nessa noite, iam lambê-los, quais demónios em busca das suas presas.
De facto, já não eram muitos os figos vindimos que existiam nas figueiras,
mas havia sempre algumas que exibiam alguns apetecíveis exemplares, sobretudo
quando as chuvas não eram muito intensas durante o mês de outubro.
Recorde-se que, por tradição, os dias 1 de novembro, Dia de Todos os Santos,
e 2 de novembro, Dia dos Finados, eram dias de especiais idiossincrasias para
as comunidades. Ia-se aos cemitérios, limpavam-se as campas e sepulturas dos
familiares já falecidos, onde se colocavam arranjos florais feitos,
essencialmente, com crisântemos e carvalhinhas – rituais que ainda hoje se
cumprem – e, portanto, era um tempo de algum recolhimento e de lembrar os
defuntos.
Vá-se lá saber porquê, esse também era, afinal, o tempo em que se
deixava de comer figos. Bem me lembro dos avisos que os mais velhos faziam na
noite de 31 de outubro, à volta da fogueira, pois o frio já se tinha feito
anunciar: “logo, a partir da meia noite, os defuntos vêm lamber os figos das
figueiras”.
A verdade é que, perante esta advertência, nós, jovens temerosos e tementes das 'leis' em vigos, fosse por repugnância ou por pavor das consequências de tal ato, não voltávamos a comer figos! Não fosse o diabo tecê-las!
Acácio Pinto