Publicamos de seguida a intervenção de Hortense Martins na sessão de apresentação do romance O Emigrante em Castelo Branco no dia 3 de dezembro de 2025, sessão que teve lugar na sede da Junta de Fregueisa.
Em primeiro lugar quero agradecer o
convite formulado e dizer-vos da responsabilidade que sinto por apresentar esta
obra do meu amigo Acácio Pinto, que conheci nos tempos em que ambos éramos
deputados na Assembleia da República, ele eleito por Viseu.
O Acácio Pinto quis apresentar esta obra também em Castelo Branco, ou não fosse ele já um albicastrense!
Licenciou-se em Direito, depois em Geografia, onde também obteve o grau de mestre. Foi autarca, Governador Civil de Viseu entre outras funções que desempenhou com afinco.
Hoje é professor aposentado, depois de
uma longa carreira em diversos graus de ensino, que cessou em 2025,
dedicando-se à escrita.
Acácio Pinto tem diversas e interessantes obras
publicadas tendo, duas delas, sido distinguidas com o Prémio Literário Cónego
Albano Martins de Sousa: O Volframista (2022) e O Leitor de Dicionários (2024).
Essas duas obras,
editadas pela editora Letras e Conteúdos, exploram temas que vão da exploração
clandestina de volfrâmio durante a Segunda Guerra Mundial a um thriller
ambientado na região de Viseu.
O Emigrante, que aqui nos traz, é uma bonita homenagem ao pai do Acácio que partiu, como emigrante, mas também à sua mãe que ficou. Afinal, é uma homenagem a todos os emigrantes que um dia partiram do nosso país. “Ei-los que partem”, como a nossa amiga Maia/Milola [Maria de Lurdes Gouveia Barata] declamou de forma tão bela, verso do poema “Eles” da autoria de Manuel Freire, que simboliza a emigração, foi a escolha do autor para a dedicatória e introdução do romance.
Quando peguei neste livro, tão especial
para mim, por diversas razões, senti logo essa proximidade e intimidade com o
título, porque este tema faz parte da minha vida e está presente nas minhas
memórias de infância.
O emigrante mais querido para mim é o meu Pai, aqui presente. Sentimos essa identificação com a obra. Desculpem-me a revelação. E estou certa de que cada um(a) aqui nesta sala terá também na memória o seu emigrante.
No livro, na sua escrita, sente-se essa proximidade do autor ao tema.
Aqueles anos, em que a pobreza assolava
Portugal, sobretudo o Portugal do interior, foram tempos de emigração
em massa. “Uns puxavam os outros”, costumava dizer-se.
E foram mais de 1 milhão, só para França, naquela década...
Esta enorme faixa de território, que representa cerca de dois terços de Portugal, fruto da evolução em diversas áreas, não é hoje o que era naquele tempo... porém há ainda muito para fazer a nível da coesão territorial e do desenvolvimento económico.
Lutas que nos foram e nos são comuns.
Não é em nada semelhante este país de
hoje ao de outrora. Este livro fala desse país dos anos 60 e 70. Dessa época,
das vivências individuais refletidas em personagens como o Renato, o Augusto, o Joaquim Pedreiro e a Adelaide. Fala das dificuldades para se viver uma vida
digna e para se sustentar a família.
Era o tempo de um país de portugueses
que queriam fugir à fome, agarrar oportunidades e que queriam vencer e construir
um futuro diferente para as suas famílias.
Na capa do livro adivinha-se um comboio e que esse terá sido o meio de transporte dessa personagem principal, que vai carregada, dobrada com o peso das malas. Mas que malas?! Se a pobreza era tão grande?! Serão malas em sentido figurado, carregando saudades, problemas, angústias? Serão as malas da partida ou do regresso?! O comboio é o Sud Express que, no primeiro capítulo, proporciona uma viagem de encontros, que se transformam em amizades e ajudas mútuas.
Nesses tempos, o regime não queria que
saíssem, a guerra colonial já tinha começado e era preciso jovens para essa missão.
“Ir a salto para França”, como Renato
fez, ele que já tinha cumprido o serviço militar, foi enfrentar o desconhecido,
o risco e, alguns emigrantes, por vezes até a morte. Mas, mesmo para ir a salto, já era
necessário ter alguma maquia aforrada ou emprestada por algum bom amigo ou
familiar.
Fomos na década de 60 um país que
emigrou em massa para diversas paragens, uns legalmente outros não. Saíram
fugindo da pobreza, da miséria, mas sempre com a vontade de regressar e de
melhorar a vida das suas/nossas famílias.
Coragem, esperança e visão são sinónimos
que se escrevem com esse suor e com a fibra das gentes que protagonizaram essas
aventuras.
Não as aventuras de hoje — que a
tecnologia encurta distâncias, basta pensarmos nas videochamadas das pessoas que vivem
longe, e que diariamente aproximam pais, filhos e netos — que são bem
diferentes. Não. Esse mundo da emigração, que o autor nos descreve, é um mundo
feito do desconhecido e das grandes distâncias.
De línguas e de condições diferentes. De uma valentia que faz vencer todas as dificuldades. Dificuldades
essas aqui retratadas numa viagem a salto e nas condições encontradas no bindonville,
no duro sacrifício que tinha como objetivo a poupança, para enviar dinheiro
para as famílias deixadas na aldeia, mulher e filhos ou filhas, como foi o caso
de muitos.
Um objetivo sempre presente e que
justificava todos os sacrifícios, que se tornavam melhoria das condições de
vida e permitia certos 'luxos', com prendas aos filhos, com a construção de uma casa o
melhor que se podia e com um espírito empreendedor que fez nascer empresas, do
nada. Apenas das economias, poucas que sobravam, mas do conhecimento que se
expandiu e das provas vivas que se tornaram em experiência valiosa para serem motor de uma produtividade sem igual.
Permitam-me esta pergunta: E o que sente uma pessoa quando lê este livro e viveu na pele o que as letras descrevem, depois de 60 anos?!
Já passaram quase 60 anos desde esse dia
longínquo mas sempre presente que, de tão marcante, se entranhou na pele.
Respondo-vos: Lê a sorrir, pela homenagem que sente que também lhe é feita. E que lhe permite dizer: Isto foi mesmo assim. Vivi tudo isto.
E eu penso para mim: Venceste!
Regresso ao livro:
Lemos e deixamo-nos envolver pelas
personagens e pelos diálogos e damo-nos conta que as vivências do autor também estão lá de alguma maneira. Ou atrevo-me a dizer quase sempre. Na
realidade, quem escreve um livro partilha com os leitores um pouco das suas
experiências, do que pesquisou, do que aprendeu, das histórias reais que
recolheu, das esperanças, dos sonhos e da imaginação
criativa com que quer brindar os leitores.
E o Acácio faz isso muito bem, o que tenho a certeza vão apreciar e ter esse gosto de descobrir. Mas ele dirá… A palavra é sempre do escritor, embora também de cada leitor.
Mas sobretudo, a relevância dessas
vivências são o olhar atento para com a sociedade, para com os excluídos, para com quem teve dificuldades à nascença. Tudo isto está nas páginas deste livro, O Emigrante.
No entanto, também se sente a alegria de
quem luta, de quem é empreendedor e de quem vence porque conseguiu trabalhar
por uma vida melhor.
Nos ofícios e artes, a sensibilidade
está presente… Com o toque da região onde nasceu, pressente-se que o autor
quer sempre homenagear as suas raízes, o que já tinha acontecido n’O Volframista.
Os sonhos dos emigrantes estão
presentes, neste livro, as esperanças e as dificuldades para aguentar
distâncias.
Trabalhar para que os filhos pudessem
ter mais educação, acesso ao melhor, mas sem nunca deixar que esquecessem as
dificuldades, que sempre estiveram presentes na sua infância, uma vez que a
vida que se sonhava estava em curso.
Porque o analfabetismo e a educação são
também o contraponto entre o presente e o passado. Entre os jovens que hoje dão a educação por adquirida e o ontem, em que os jovens e os adultos quase não tinham escolarização.
O
Emigrante
é um livro que nos fala da história de Renato, (a
personagem principal) e dos seus compagnons de route, da sua família ou
das famílias que ficavam para trás. Isto porque as famílias que ficavam em
Portugal também sentiam as dificuldades da ausência, de uma luta pela
sobrevivência feita com solidão e com coragem.
A mulher que ficava para trás, que
resistia à partida do marido para o desconhecido, sofria no dia-a-dia a ausência, com filhos ou filhas para cuidar, com o campo para amanhar e os animais
para tratar.
Essas lutas estão presentes na história
de O Emigrante, com as dificuldades
da sua mulher, Adelaide, que temia pelo futuro e pelo desconhecido, pelos filhos de
ambos, em especial o pequeno Lucas, com dificuldades especiais.
Mas, a esperança de uma melhoria das
condições de vida da família eram mais fortes e afirmavam a resistência, a
resiliência e o acreditar, para vencer e escrever um futuro melhor para todos.
Grandes sacrifícios adocicados pela esperança
num futuro melhor!
Mas nestes percursos, o autor também nos
fala da fragilidade humana e como superar as dificuldades, do amor longínquo,
dos filhos para criar e da sociedade vigente.
Sempre com a preocupação de ser fiel às
envolventes socioeconómicas e culturais, o autor usa as palavras da região e as
palavras feitas de novas palavras, os neologismos que se formam de uma
aprendizagem forçada de uma língua desconhecida, o francês, que se mistura com a
língua materna, o português, e que reconhecemos em expressões como: as minhas maisons, a minha enterprise, e estamos a embochar
pessoal…
A política não podia também deixar de
estar presente, como acima referimos.
A PIDE e o Estado Novo, o padre Clemente
e o influente regedor, mas também os contestatários.
É que Renato até tinha sido Secretário
da Junta de Freguesia entre os anos de 1963 a 1966, antes de emigrar a salto para França.
A eleição com ‘chapelada’, para evitar a
vitória de Humberto Delgado, marcou também aqueles tempos.
Épocas que marcaram as personagens e
todos os que a viveram mesmo com diferenças de vivências e de idades!
O
Emigrante
conta-nos uma história cheia, com base em histórias reais, trazendo-nos à lembrança muito do que vivemos, do que nos contaram, mas que não se fica por aí.
Por isso sei que, quem viveu esta
história de emigração, fica comovido, assim como os que ouviram falar dessas
histórias que marcaram várias gerações ou ainda os que pretendem saber das
histórias reais desses tempos.
O autor do romance anuncia-nos na capa “A saga de uma família abalada por
segredos antigos”, sendo esses segredos, que não vos vou revelar aqui, que vos irão dar um especial prazer em os desvendar.
É por isso que no decorrer dos capítulos deste livro nós
queremos muito descobrir o que vai acontecer às personagens, num enredo bem
construído e que não nos deixa parar, chegando mesmo a surpreender-nos.
A sensibilidade social também está muito
presente, como não poderia deixar de ser, retratando essa envolvente de um
Portugal rural, onde a burguesia rural e as suas personagens tinham o verdadeiro
poder de alterar vidas, como foi o caso de Miguel Contreiras, conhecido por
“senhor Miguelzinho”, que tinha sido Presidente da Junta há muitos anos e tinha
fortes ligações ao poder, até mesmo “ao Governador Civil de Viseu”.
Neste livro evocam-se os tempos antes da
democracia e da liberdade, com o medo a ser uma nota dominante perante os bufos da PIDE, num país que vivia numa ditadura.
Tudo isto o autor trata de uma forma em
que se percebe o seu entendimento sobre algumas questões sociológicas e as suas escolhas de destinos como forma de justiça. Ou não?!
E, surpreendentemente, as questões de direito que parecendo simples se tornam complexas, porque a vida, a vida de cada pessoa, está sempre envolta em mistérios. Os caminhos da vida são complexos e as surpresas que a vida reserva também acontecem a estas personagens.
Daí que seja tão importante este
mistério que é a vida, a sua criação, mas também o caminho que cada um escolhe,
determinado, quiçá, pelo destino, ou pela fé, que tem nomes diferentes segundo
as diversas culturas, mas que permanece como algo insondável e que nos faz
pensar em mais do que no nosso livre arbítrio.
A trama do livro vai acelerando à medida
que lemos os capítulos, um por um, e na parte final senti como que uma
hecatombe!
Esta é uma história baseada em factos
reais, que vos incito a ler e já agora, dada a época, é sem dúvida, uma ótima
prenda de Natal!
Sei que não vos descrevi o livro e nem
sequer era suposto fazê-lo porque apenas pretendi aguçar-vos o apetite para as
boas leituras, com que este autor nos brinda. Em especial nesta obra que,
relatando histórias de tempos idos, não deixa de ser bem atual.
Foram e são tantos os que partem, ainda hoje, das
suas terras procurando uma vida melhor, com a esperança no horizonte,
sempre a esperança!
Parabéns, Acácio Pinto, por esta
oportunidade de leitura, que nos emociona, mas também nos faz refletir nesse
passado da grande vaga da emigração, neste tempo em que Portugal recebe os
imigrantes de várias partes do mundo, porque agora também somos um país que
precisa dessa mão-de-obra para crescer e se desenvolver à semelhança de tantos
outros países desta velha Europa, onde nos inserimos.
Os portugueses foram e são aventureiros
de tantas geografias e que ainda hoje estão presentes por esse mundo fora como
emigrantes.
P. S. “As
estimativas das Nações Unidas (dados de 2015) apontam para que existam 243
milhões de migrantes internacionais, o correspondente a 3,3% da população
mundial. Deste total, 2,3 milhões serão portugueses. A percentagem de
portugueses emigrados (0,9% do total) é sete vezes superior ao peso da
população de Portugal na população mundial total (0,14%). No ano passado,
Portugal foi o 27º país com mais migrantes e, na Europa, apenas sete países
tinham populações emigradas mais numerosas: Federação Russa, Ucrânia, Reino Unido,
Polónia, Alemanha, Roménia e Itália.”
Obrigada pela oportunidade destas
reflexões.
Hortense Martins, 3 dezembro de 2025
Nota: Gratos à amiga Hortense Martins pela disponibilidade demonstrada.
