Do Demo se chamam!


Do Demo se chamam. Desde há cem anos. Desde o tempo em que a primeira guerra se finara e um republicano inteiriço e insubmisso as timbrou. E timbrando-as no-las deixou com uma marca forte, indelével, de ferro em brasa que não mais se apagou.

São do Demo, são terras da Lapa, de nossa senhora, ou de todos os demais santos altaneiros, são terras da Nave ou de Leomil.

Não, do diabo não eram. Não, do demónio não são. E se cem anos levam como Terras do Demo, muitos mais levam, de anos perdidos nas brumas do tempo. Muitos mais de cem, de milhares, sempre amanhadas e esventradas por gentes rijas que as fecundavam com as mãos rudes e tão doces, de quem sempre lhes quis dar fino trato.

Não, do pecado também não são, porque o pecado ali não era "mais grado" nem revestia "aspecto especial que não tivesse algures". Não é que o belzebu por ali não atentasse as almas. Por ali não fizesse das suas. Por ali se intrometesse menos que alhures.

Nada disso. E é por isso que sim.

Sim, são do Demo "porque a vida ali é dura, pobrinha, castigada pelo meio natural".

Sim, são do Demo, porque esse centralismo de ontem, tão de hoje, as sobrecarregou, as sobrecarrega, "mercê de antigos e inconsiderados erros e abusos, porque em poucas terras como esta é sensível o fadário da existência".

Sim, são do Demo, do nosso Demo, de Aquilino e deste Demo que, quando os lobos uivavam, não se vergaram mesmo quando o poder do império atropelou as gentes que na sua faina só queriam, só querem, o que é seu.

E hoje aqui continuam, do Demo. Seja aqui, neste presídio, hoje solar, em Viseu, donde Aquilino se evadiu, seja ali, na feira de Barrelas, do juiz que viu e não viu, seja mais além, em Romarigães, ou Soutosa, que o mestre nos legou, ou no Carregal, em Lamego, Lisboa, Beja, ou Paris.

E hoje as terras do Demo e de Aquilino aqui continuam, aqui estão, embora estejam nas escolas ainda tanto em contramão.

Mas onde estão e são tão sorvidas, sejam olho de perdiz, ou pata de lebre, ou, tão só, Terras do Demo sem especialização, é no espumante e nos vinhos que, não sendo este aquele que já ontem, há cem anos, bebiam, é este, afinal, o mesmo que das terras e do suor sempre jorrou.

Um Demo de honra pois, ao mestre, a Aquilino, e pois então, um Demo de honra à Florbela, ao grupo OFF/AFTA, e a mais esta organização.

Texto lido no Solar do Vinho do Dão, Viseu, aquando dos 100 anos do livro, de Aquilino Ribeiro, Terras do Demo.

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