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Em rodagem!

Estamos sempre em rodagem! Todos os dias. Desde o primeiro.

Nada de novo, afinal. Ou, afinal, novo é sempre cada momento da vida. Cada chegada a um qualquer porto. Cada partida! Cada areal que nos acolhe. Cada agora em que nos encontramos. Cada aqui que nos envolve.

É assim a vida. A nossa deriva. A de todos e a de cada um. Em busca permanente. De felicidade. Quantas vezes, pouca, porque buscadores de absolutos. Porém, ela está aí! Na tranquilidade. Na serena volúpia da dádiva.

Em rodagem! Em cada dia. Sempre a rodar as cenas do filme. Deste nosso filme de vida onde os takes se sucedem em cada horizonte que transpomos. Onde os zooms, tantas vezes, nos levam à colisão com prazeres simples. Nos proporcionam mais uma descoberta. Nossa. De mais uma peça que encaixa no puzzle! Neste nosso labirinto de saudade. De memórias. De todas as memórias. Até das memórias de futuros.

Em rodagem! Por aí. Pelos terroirs da emoção e do desassossego. Sim, a oriente pelos amarelos de trigo da meseta infinda. Pelos azuis das planícies compridas. Também pelos trilhos da serra intrépida debruados sobre o mar, a ocidente. Pelos rumos incertos de caudalosas turbas. Sempre, porém, com indómitas certezas, as dos erros e das quedas, do corrigir, erguer e chegar. Do advento e do partilhar um refúgio aquecido com gengibre, mel e vinho. E em fundo, uma praça universal.

Em rodagem! Pelos sabores das cozinhas fumadas. Pelos doces de conventos com receitas sagradas. Pelos jardins de museus caminhados com o azul das violetas nos olhos. Pelos pavimentos de florestas de prédios plantados nas quintas saloias. Pelos percursos de jardins com pérgulas esculpidas a compasso nas curvas da serra dos mouros.

Em rodagem! Pelos sons tirados, com magia, de guitarras em tropel. Pelos silêncios de luz derramados do céu que nos toca. Pelos tocadores de gaita celta que incendeiam as ruas da cidade. Pelas tintas e aguarelas dos dalis visionários e perturbadores. Pelas pausas nas pautas do quotidiano.

Em rodagem! Pelos bairros invisíveis desta sociedade desafinada. Pelas ruelas de transações sombrias por conta de adições antigas. Pelos rios de águas domadas por diques em risco de ruir. Pelos circuitos das rotas da seda e da morte, em cada bote que parte e naufraga.

Em rodagem! Pelos caminhos da infância sonhada. Pelas ligações à vida! Sempre, pela vida, em rodagem! 

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