A maioria, PSD e CDS, e o governo cumpriram
no dia 21 de dezembro mais um capítulo da sua saga de ataque às freguesias, ao
poder local e ao interior. Não aconteceu a prevista extinção do mundo, programada
para esse dia, mas aconteceu a extinção de muitos dos nossos mundos.
Em todo o país foram extintas 1147
freguesias, 1147 mundos de tantos de nós. Não estou a ser nostálgico, a ser
passadista, a ser conservador. Estou tão só a deixar brotar as palavras, a
deixá-las encaixar-se num texto que quero que seja para memória futura e de
memória para mim. Um texto que amanhã me permita perceber o que se passou neste
funesto hoje, neste ontem. Um texto que me faça ter e sentir a memória perante
o esquecimento que muitas vezes assola os poderes.
E o mais grave é que esta foi uma extinção
porque sim. Não houve critérios que sustentassem esta deriva de encerramento do
interior para além de um critério matemático, percentual.
No caso concreto do distrito de Viseu
teremos, no futuro, menos 95 freguesias. Tínhamos 372, passaremos para 277. E,
quer queiramos quer não, vamos ficar muito mais pobres nas relações de
proximidade que sempre têm que existir entre o estado e as populações. É que
entre o estado, sempre com tendências centralistas e macrocéfalas, e as
populações, sempre indefesas, há um enorme desequilíbrio. E esse desequilíbrio
fica muito mais evidenciado quando os detentores do mandato que o povo lhes
conferiu exorbitam dele, por matriz filosófica e ideológica ou por mera gestão
de conjunturas.
Quem perde é sempre o elo mais fraco, é
sempre o povo. E, porventura, pior que uma derrota é o corrompimento da
necessária confiança que tem que circular pelas veias do sistema da democracia
representativa.
O PS votou contra esta extinção de 1147
freguesias. Não porque não entenda que os novos tempos não trazem novos
desafios para as organizações de base territorial, mas porque estas reduções
sem critérios legitimados na radicalidade da essência democrática, são péssimos
exemplos de exercício do poder.
Verdadeiramente o que está em jogo, nesta
como noutras medidas políticas destes últimos meses, é a sobrevivência do
interior, desta nossa terra, rica e farta sempre, porque por mais ataques que
lhe façam em qualquer dia de solstício de inverno há uma coisa que nunca lhe
farão, na linha de Aquilino, nunca lhe corromperão a dignidade e a alma.
Acácio Pinto
Diário de Viseu