Avançar para o conteúdo principal

A Breve Vida das Flores: um magnífico livro de Valérie Perrin

 


Um magnífico livro de Valérie Perrin: A Breve Vida das Flores!

Nunca lhe aconteceu? Ao ler um livro sentir-se um duplo da personagem principal? Ser ela? Viver com ela e por ela? Sentir os seus conflitos? As suas agruras? As suas alegrias e tristezas? Carregar os seus tormentos? Os seus dias aziagos? Os seus momentos de êxtase?

Pois bem, a mim já não me acontecia há algum tempo. Bem vistas as coisas já nem guardo bem uma memória exata de tal. Mas ocorrem-me, de repente, alguns livros em que isso poderá ter acontecido. Talvez nos livros d’Os Cinco, de Enid Blyton, tenha querido ser tudo o que eles eram; quiçá n’O Fio da Navalha, de Somerset Maugham, tenha vivido, numa noite compulsiva, as ansiedades e as dúvidas de Larry; porventura em Ferreira de Castro, em Morávia, em Dostoiévski, em Saramago…

Um livro encantador, de Valérie Perrin!

O livro de Valérie Perrin, A Breve Vida das Flores, teve o condão de me subtrair, por largos momentos, à minha condição de cidadão com vida própria. De me transfigurar em Viollete Toussaint. Uma personagem mística. Que nos confidencia e envolve numa narrativa na primeira pessoa. Uma narrativa íntima e intimista. De uma guarda de passagem de nível e depois de guarda de cemitério, respetivamente no sul de França e na Borgonha.

É um livro com uma narrativa portentosa, que se mostra e se fecha. Que nos dá informação e quantas vezes só muito depois a compreendemos. Que mistura narradores. Que nos agarra e nos faz viajar por diálogos que sentimos como nossos. Com personagens que conhecemos lentamente. Que nos arrebatam para os episódios de felicidade que vivem. Para os amores furtivos e intensos. Para as contradições dos amores de amantes divididos.

Trata-se de uma obra com uma trama de sucessivos loopings. De datas. De acontecimentos. De mortes. De crianças. Da busca dos culpados. De vidas duplas. De coincidências. De encontros clandestinos. Até um desenlace inesperado, mas que deixa o leitor conformado.

Afinal, a beleza da literatura não está na importância das profissões das personagens (será que há profissões importantes?), na grandiosidade dos eventos que acontecem na narrativa. Afinal onde está? Está na capacidade de transmitir genuinamente quotidianos de gente que anda por aí, em derivas reais de vidas como as nossas.

Recomendo. Vivamente.

Mensagens populares deste blogue

Sermos David e Rafael, acalma-nos? Não, mas ampara-nos e torna-nos mais humanos!

  As palavras, essas, estão todas ditas. Todas. Mas continua a faltar-nos, a faltar-me, a compreensão. Uma explicação que seja. Só uma, para tão cruel desenlace. Da antiguidade até ao agora, o que é que ainda não foi dito? O que é que falta dizer? Nada e tudo. E aqui continuamos, longe, muito distantes, de encontrar a chave que nos abra a porta deste paradoxo. Bem sei que, quiçá, essa procura é uma impossibilidade. Que não existe qualquer via de acesso aos insondáveis desígnios. Da vida e da morte. Dos tempos de viver e de morrer. Não existe. E quando esses intentos acontecem em idades prematuras? Em idades temporãs? Tenras? Quando os olhos brilham? Quando os sonhos semeados estão a germinar? Aí, tudo colapsa. É a revolta. É o caos. Sermos David e Rafael, nestes tempos cruéis, não nos acalma. Sermos comunidade, não nos sossega. Partilharmos a dor da família, não nos apazigua. Sermos solidários, não nos aquieta. Bem sei que não. Mas, sejamos tudo isso, pois ainda é o q...

JANEIRA: A FAMA QUE VEM DE LONGE!

Agostinho Oliveira, António Oliveira, Agostinho Oliveira. Avô, filho, neto. Três gerações com um mesmo denominador: negócios, empreendedorismo. Avelal, esse, é o lugar da casa comum. O avô, Agostinho Oliveira, conheci-o há mais de meio século, início dos anos 70. Sempre bonacheirão e com uma palavra bem-disposta para todos quantos se lhe dirigiam. Clientes ou meros observadores. Fosse quem fosse. Até para os miúdos, como era o meu caso, ele tinha sempre uma graçola para dizer. Vendia sementes de nabo que levava em sacos de pano para a feira. Para os medir, utilizava umas pequenas caixas cúbicas de madeira. Fossem temporões ou serôdios, sementes de nabo era com ele! Na feira de Aguiar da Beira, montava a sua bancada, que não ocupava mais de um metro quadrado, mesmo ao lado dos relógios, anéis e cordões de ouro do senhor Pereirinha, e com o cruzeiro dos centenários à ilharga. O pai, António Oliveira, conheci-o mais tardiamente. Já nos meus tempos de adolescência, depois da revolu...

Ivon Défayes: partiu um bom gigante.

  Ivon Défayes: um bom gigante!  Conheci-o em finais dos anos oitenta. Alto e espadaúdo. Suíço de gema. Do cantão do Valais. De Leytron.  Professor de profissão, Ivon Défayes era meigo, afável e dado. Deixava sempre à entrada da porta qualquer laivo de superioridade ou de arrogância e gostava de interagir, de comunicar. Gostava de uma boa conversa sobre Portugal e sobre a terra que o recebeu de braços abertos, a pitoresca aldeia do Tojal, que ele adotara também como sua pela união com a Ana. Ivon Défayes era genuinamente bom, um verdadeiro cidadão do mundo, da globalidade, mas sempre um intransigente cultor do respeito pela biodiversidade, pelo ambiente, pelas idiossincrasias locais, que ele pensava e respeitava no seu mais ínfimo pormenor. Bem me lembro, aliás, das especificidades sobre os sons da noite que ele escrutinava, vindos da floresta, da mata dos Penedinhos Brancos – das aves, dos batráquios e dos insetos – em algumas noites de verão, junto ao rio Sátão. B...