Artigo de Joaquim Sarmento, advogado, escritor e deputado do PS entre 1995 e 2002. Reside em Lamego:
«A política é, cada vez mais, uma exclusiva tarefa dos políticos, que à sombra dos partidos, ou dos cargos executivos que estes propiciam, não ocupam
estes para servir o interesse público, mas
interesses particulares. A política é cada vez mais um espaço de disputa
gananciosa de mordomias. É esse o juízo que dos políticos fazem os mais de 70%
de abstencionistas nas ultimas eleições europeias, não esquecendo os números
assustadores de votos em branco e votos nulos que emprestam tal como os
abstencionistas um sinal de desconfiança em relação aos nossos representantes
nas eleições europeias.
Os cidadãos não acreditam na
política, nem nos políticos que a executam. E é sobretudo no povo da esquerda e
com mais incidência na esquerda socialista que esse desencanto se verifica.
Essa esquerda, a reformista, a herdeira das causas da social democracia, a eterna.
Essa esquerda é plural e vai muito para além do PS. É heterodoxa,
distanciando-se da ortodoxia partidária, que encontra no partido comunista a
sua bengala de sustentação mais evidente. A esquerda tem, regra geral uma
concepção de vida mais livre e independente, relevando as áreas da cultura e da
educação. A esquerda é mais solidária e, por isso mesmo, é reivindicativa em relação a temáticas, como
as que se articulam com a solidariedade social.
Esta esquerda que se reparte por
trabalhadores de serviços, professores, profissões liberais, quadros técnicos, jovens,
estudantes, pensionistas, sectores dinâmicos da investigação científica e da
intelectualidade é o pulmão das sociedades modernas
Esta esquerda crítica, exigente e
independente votou em grande parte em branco e absteve-se, em larga escala.
Ora, este eleitorado tem sido decisivo na conquista pelo PS de maiorias relativas folgadas e maiorias absolutas.
António Guterres foi o primeiro líder
socialista a perceber que seria determinante para a superação do cavaquismo
firmar um pacto entre o PS e os independentes, uns mais moderados, outros mais
radicais, mas que tinham em comum o não se reverem na direita cavaquista e se
demarcarem do radicalismo comunista. Esse pacto forjou-se nos “Estados Gerais”,
marcando estes um diálogo aberto e fecundo com a sociedade com frutos visíveis
nos resultados das eleições legislativas de 1995 e 1999, tendo o PS alcançado
resultados excelentes, tendo ficado em 95 a 3 deputados da maioria absoluta e conseguido
eleger em 99, 125 deputados ou seja metade dos parlamentares.
António José Seguro que não tem o
carisma de Guterres preocupou-se demasiadamente com o aparelho do partido e
convidou o seu adversário, de véspera às eleições internas do PS, Francisco
Assis, para liderar a lista ao parlamento europeu, perdendo uma excelente
oportunidade de convidar um independente, com estatuto, com prestígio. Seguro
perdeu uma magnífica oportunidade de se distanciar das tenazes internas dos que
aguardavam qualquer percalço seu. Não se preocupou em aglutinar à sua volta um
“naipe” de personalidades da área económico-financeira e da cultura. Isolou-se
na oposição ao governo, criando a imagem, catapultada pelo PSD e CDS de que o PS era um partido do mesmo
jaez, o terceiro partido do arco da governabilidade, responsável pela situação
de sacrifícios aos portugueses.
Seguro não foi capaz de se retirar do
seu casulo, incapaz de romper na sociedade e nas instituições como um partido
diferente do PSD, tendo o fundador do PS, Mário Soares, sentindo a necessidade
de se demarcar do Secretário-Geral dos socialistas, alegando e bem que este não
promovia uma politica de esquerda.
É neste quadro de debilidade da
imagem de Seguro, que assentam os
resultados dos socialistas nas últimas eleições europeias. Os resultados não auguram o sucesso de uma
alternativa consistente nas próximas legislativas.
É neste quadro florentino que emerge
um militante socialista, disponível a assumir a liderança do PS e,
consequentemente a ocupar o cargo de Primeiro-Ministro. É António Costa com
provas dadas na mais importante autarquia do país e em pastas ministeriais que
tutelou como a da Justiça e da Administração Interna. É um animal político que
escolheu o momento certo para a conquista do Rubicão socialista.
“Ecce homo”. Eu apoio…»
Joaquim Sarmento