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Declaração política no plenário da AR sobre o 50º da morte de Aquilino Ribeiro (c/vídeo)


Intervenção no plenário, 30 de maio 2013
[abrigo artº 76, nº2, do RAR]
Senhora presidente,
Senhoras e senhores deputados
Há homens que, por circunstâncias, as mais diversas, dedicam a vida, a sua vida, a uma causa maior, a lutar por um ideal: o da justiça, da fraternidade e da liberdade universal.
São homens que trazem “o inconformismo no sangue”, que são “inteiriços de coluna” e “insubmissos a toda a espécie de jugos”.
Trago aqui hoje um desses homens, Aquilino Ribeiro; beirão das terras, que batizou, do demo; natural do distrito de Viseu.
Conheci-o às escondidas, pelo seu legado, pelos seus livros, dez anos depois da sua morte, nos anos setenta, ainda quando os lobos uivavam e a censura reprimia a expressão.
Interpelado desde então, aqui o partilho hoje nesta casa, na Assembleia da República, volvidos que são cinquenta anos sobre a sua morte. Cinquenta anos que se cumpriram no dia 27 de maio.
Trago aqui a esta tribuna o homem, mas também o escritor, o cultor da palavra, o intérprete dos sons e o político inquebrantável na defesa dos direitos do seu povo, das suas gentes, do seu território. Na defesa, também e sempre, do interior de Portugal.
Ou não tivesse ele nascido no Carregal, aldeia de Sernancelhe, vivido em Soutosa, aldeia de Moimenta da Beira, calcorreado Vila Nova de Paiva, Sátão, Viseu, Lamego e tantos e tantos outros locais, nomeadamente, dos distritos de Viseu e da Guarda.
Encontramo-lo igualmente aqui em Lisboa, em várias lutas, em vários movimentos; ou no Porto ou em Beja.
De todos os locais nos deixou marcas, retalhos, diálogos, mais ou menos ficcionados, na sua vastíssima obra literária, ante um regime que sempre lhe quis açaimar a sua prosa carregada de verdades duras.
Foram inúmeras as geografias sentimentais de Aquilino, foram muitos os seus espaços de intervenção, foram intensos os seus trajetos em 78 anos de vida.
Quem nunca saboreou nacos dessa prosa aquiliniana? Dessa prosa telúrica, prenhe de uma cultura genuinamente beirã? Dessa prosa densa de recortes de vida?
Quem nunca sorveu textos outrora censurados, porque em defesa dos seus oprimidos e calejados concidadãos residentes nas serranias da Nave, de Leomil, ou da Lapa?
Quem não conhece essas figuras míticas? O Malhadinhas, ou o juiz de Barrelas? Essas obras intemporais O romance da Raposa (a salta pocinhas), O livro da Marianinha, A casa grande de Romarigães, ou Quando os lobos uivam?
Estas e tantas outras obras fizeram e fazem de Aquilino Ribeiro, evidentemente, um dos nossos maiores escritores do século XX.
Evidência que nos é dada pela vastíssima obra publicada, mas também pela proposta do seu nome, por escritores de diversos países, para Nobel da literatura. Evidência que, em 2007, levou a Assembleia da República a conceder aos seus restos mortais honras de panteão nacional, local onde repousam aqueles que pela grandeza das suas vidas e obras se perpetuam para além da debilidade da nossa memória, da memória humana.
Senhora presidente,
Senhoras e senhores deputados,
Contudo a sua vida, a vida de Aquilino, foi também uma vida de exílios. Começaram bem cedo, em 1908, aos 23 anos, quando, como opositor da monarquia, se viu exilado em Paris, onde estudou, até que a implantação da república o trouxe, de novo, a Portugal, para ser professor, no liceu Camões, e bibliotecário, na biblioteca nacional.
E é Paris que, em 1927 e 1928, o recebe, de novo, como exilado. Nestes dois casos por participação em movimentos militares contra a ditadura, entretanto instaurada e que veio a abrir as portas a Salazar. No segundo caso depois de ser preso em Mangualde e se ter evadido do presídio do Fontelo, em Viseu.
E foi, precisamente, em Paris, durante este terceiro exílio, que nasceu o seu segundo filho, Aquilino Ribeiro Machado, falecido em outubro de 2012, ele que foi presidente da câmara de Lisboa, o primeiro eleito democraticamente, nas listas do partido socialista, depois da revolução de abril de 1974. Aqui o evoco: um lutador, um democrata, também um homem de causas.
E se Aquilino foi, de facto, um grande escritor ele foi, de igual modo, um enorme político, que pagou cara a sua dureza de cerviz.
Ou não tivesse estado, ele, ao lado de Norton de Matos e apoiado Humberto Delgado; ou não tivesse, ele, inspirado e se inspirado no MUD; ou não tivesse, ele, sempre lutado pelo seu povo contra as injustiças de um regime em que reinava o nepotismo.
Defensor incansável da sua terra, do interior, onde pontifica um povo de rija têmpera, Aquilino, veio a ser perseguido e enxovalhado, no final dos anos 50, na sequência do seu romance, entretanto apreendido, “Quando os lobos uivam”, que nos representa a saga dos beirões, ante o estado novo, na defesa dos terrenos baldios.
E se muitos o esqueceram e esquecem, Viseu e a região lembram-no.
O seu nome está ligado à Fundação Aquilino Ribeiro, sedeada em Soutosa, integrada pelos municípios de Moimenta da Beira, Sernancelhe e Vila Nova de Paiva; ao CEAR (centro de estudos Aquilino Ribeiro); à escola do 2º e 3º ciclos de Vila Nova de Paiva; à biblioteca municipal de Moimenta da Beira; ao auditório municipal de Sernancelhe; ao parque da cidade de Viseu; à revista Aquilino; a colóquios; a conferências; a exposições; a feiras; e à toponímia, nos mais diversos locais.
Ainda recentemente, em abril, foi a sociedade portuguesa de autores a visitá-lo e a percorrer, também, os seus itinerários nas terras do demo; e este último fim de semana fica marcado por diversas iniciativas em Sernancelhe e em Moimenta da Beira.
Senhora presidente
Senhoras e senhores deputados
Se vos trago aqui Aquilino não é para eu lhe render uma, mais uma, homenagem que, aliás, seria muito mais competente, profunda e empolgante, se efetuada – só para citar alguns viseenses que na atualidade a ele se dedicam – se efetuada, dizia, por Paulo Neto, Alberto Correia, Fernando Paulo Batista, António Augusto Fernandes, António Ribeiro de Carvalho, Henrique Almeida ou Henrique Monteiro.
Trago-o aqui como um tributo, um tributo de todos os viseenses, creio que de todos os portugueses, que sentem o seu pulsar aqui e agora, hoje, porventura, ainda de forma mais acutilante, mais forte nestes tempos da ira, em que nos tolhem, querem tolher, os ventos da esperança.
Evocar Aquilino está, pois, para além da sua própria dimensão e do seu tempo. Evocá-lo é também, hoje, gritar a revolta contra os ataques do centralismo do terreiro do Paço; gritar os ataques desferidos contra o interior; os ataques contra os municípios e as freguesias; os ataques aos tribunais; ao serviço nacional de saúde e à escola pública, afinal, àqueles serviços e instituições que verdadeiramente diferenciam e dão sentido à ocupação de todo o território nacional, com particular ênfase do interior de Portugal.
Evocar Aquilino é também hoje uma luta, uma luta permanente, pela defesa da nossa dignidade; das nossas espécies; dos nossos produtos mais genuínos; da nossa diversidade cultural.
E termino,
Senhora presidente
Senhoras e senhores deputados,
com uma das frases mais citadas de Aquilino, um ex-libris, um grito de esperança:
Alcança quem não cansa!
Disse.

Acácio Pinto

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