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[opinião] Não queremos viver nos territórios da ira!

Capa do livro de John Steinbeck (Bertrand)
Todos os dias as piores surpresas nos chegam sem bater, seja a Portugal, seja à Grécia ou agora a Chipre. E logo de seguida nos dizem, através dos procuradores, que tem que ser.
Todos os dias nos confrontam com mais impostos e com extinção de direitos. E logo de seguida nos explicam, através dos papagaios dominicais, que pese embora e mais talvez, mas tem que ser.
Todos os dias nos atiram balas de aço ao peito com mais e mais cortes nas reformas, nos ordenados, nos serviços de saúde e na educação. E logo de seguida os advisers encartadas nos fazem desenhos, a que chamam gráficos, para nos demonstrarem que tem que ser.
Todos os dias nos chegam relatos de fome nas famílias e de mais e mais desempregados, em número já superior ao milhão de portugueses. E logo de seguida, nas televisões por cabo e nas outras, nos chega a voz dos “subvencionados” das empresas públicas e afins a confirmar que este caminho é o da salvação nem que ainda tenhamos que aumentar o número dos emigrantes ou dos desempregados.
Todos os dias.
Mas…
Todos os dias há mais um grito, mil gritos, que nascem na alma de portugueses desesperados.
Todos os dias há mais uma luz, mil luzes, que se acendem no interior de cada indivíduo a quem querem roubar a esperança.
Todos os dias há mais uma vontade, mil vontades, que se formam no seio de cada pessoa cansada de ver sempre os mesmos a estarem cada vez melhor.
Todos os dias…
Admito que estas possam ser palavras mais do domínio da literatura que da política. Admito que este texto possa ser questionado por ter uma narrativa no âmbito das emoções e dos sentimentos do ser. Admito até a crítica de muitos pregadores, anafados de mordomias.
Seja o que for, só sei que há, haverá, milhares de meus concidadãos que sabem exatamente daquilo de que estou a falar. Que já sentiram na pele e no estômago os dramas desta vida de austeridade. Que já comeram e comem o pão que o diabo amassou.
E eles sabem, e todos nós sabemos, que o limite está ultrapassado, que a gula financeira tem que terminar, que a ditadura destes tempos hipermodernos vai ter que acabar.
Mas que Europa é esta? Onde estão os valores humanistas? Da solidariedade?
Definitivamente basta. Não queremos viver nos territórios da ira!
Acácio Pinto
Notícias de Viseu

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