Afinal, o que vão fazer a Davos?

Opinião DÃO E DEMO

Quando 62 cidadãos do mundo, com certeza iluminadíssimos e competentíssimos, portadores de uma inteligência incomum, ao que se julga, detêm tanta riqueza como 3,5 mil milhões de seus concidadãos está tudo dito sobre o modelo político e económico global que nos governa.
Quando 1% dos mais ricos detêm mais riqueza do que os restantes 99% cidadãos do planeta, fica bem clara e evidenciada a farsa que representa a governação dos estados em nome da equidade e da justiça social.
E assim sendo está tudo dito sobre o papel das lideranças políticas dos estados, bem como sobre as práticas das organizações de vocação universal que nos regem e tantas diretivas nos “ditam”.
É que nos últimos cinco anos a riqueza daqueles 62 multimilionários aumentou 44%, enquanto, ao invés, a dos 3,5 mil milhões de cidadãos decresceu 41%.
E face a estes dados que se estão a agravar à velocidade da luz, como se vê, eu creio que ninguém poderá ficar indiferente. Ninguém se pode render a este fatalismo que está a cercear à nascença a esperança de tantos milhares de milhões de cidadãos em Portugal, na Europa e no mundo.
Eu não quero aqui colocar em causa esses valores fundacionais dos estados democráticos modernos, os valores da liberdade, da democracia, da igualdade perante a justiça, perante a educação e perante a saúde. Mas isso não me impede de dizer que todos percebemos demasiado bem que por detrás desse discurso e desses apregoados valores não pode deixar de haver, há mesmo, uma retórica falaciosa.
Ou seja, se aqui chegámos e aqui chegámos com estas discrepâncias absurdas, inadmissíveis, irracionais, geradoras de conflitualidade, compete-nos não transigir ante este este fermento de ódio e de terror.
Está claro que não podemos nem mais um minuto prosseguir como se isto não existisse. Não podemos deixar de clamar contra este estado de coisas. Não podemos fechar os olhos ante os paraísos fiscais onde deixamos lavar mais branco a corrupção e o crime.
É evidente que enquanto as lideranças mundiais, das forças políticas democráticas, de base humanista, inspiradas pela social-democracia, pelo socialismo ou pelo liberalismo democrático, não cortarem cerce com essas dependências mais ou menos explícitas, com essa promiscuidade, com esses “iluminadíssimos e competentíssimos” 62 cidadãos não vamos lá e, pior que isso, permitimos que o discurso político se radicalize e que forças extremistas saiam vitoriosas, paradoxalmente, alimentadas por discursos e valores que mais potenciam as desigualdades.
Será que não está na hora de se envergonharem de ir a Davos? Afinal o que vão lá fazer?

Acácio Pinto