[opinião] Depois da tempestade ideológica de Nuno Crato... PRECISAMOS DE UMA ESCOLA ESTABILIZADA E TRANQUILA *
Nas quatro décadas que levamos de democracia, nunca um
governo esteve tão afastado, como o atual, de um alargado consenso em torno das
políticas públicas de educação.
Sob a batuta ideológica de Nuno Crato, nestes últimos quatro
anos, o sistema educativo português foi e está a ser minuciosamente alterado
com o objetivo último de desqualificar e menorizar a escola pública e cercear a
igualdade de oportunidades dos portugueses.
As consequências estão aí. Os resultados e os exemplos
evidenciam-nas!
- As taxas de retenção e desistência, desde 2011, duplicaram no
2º ciclo e no 3º do ensino básico aumentaram 25%;
- Mais de 8.000 alunos abandonaram o ensino superior público
e privado; e matricularam-se em 2014 menos 34.000 do que em 2011;
- A formação de adultos caiu a pique, tendo mesmo sido
inexistente nestes últimos anos, por puro preconceito ideológico de Nuno Crato
e de Passos Coelho;
- Nas áreas profissionalizantes, criou-se o ensino vocacional,
mas como via de seleção precoce e de escoamento dos alunos mal sucedidos no
sistema;
- E que dizer da concessão de horas de crédito, para apoio
aos alunos, mas só aos alunos das escolas com bons desempenhos nos exames e
provas? E as outras? E as que verdadeiramente precisam? Essas são segregadas.
Pois bem, estes resultados e estes exemplos só podem merecer
um amplo combate. Combate que o PS sempre travou, quando foi governo, como as
avaliações internacionais o certificaram.
Mas este modelo ideológico vip, de Nuno Crato, está também
profundamente eivado de um grande desrespeito e de uma elevada incompetência
técnico-política.
O exemplo mais gritante de incompetência vem do início deste
ano letivo, da colocação de professores, em que semana após semana e mês após
mês o ministério não acertava na fórmula e na forma de colocar os docentes.
Um descalabro, um filme de terror para as escolas, para os
alunos, para as famílias e para os professores.
Mas a falta de pagamento às escolas profissionais e às
escolas especializadas de ensino artístico não lhe fica atrás. É outro exemplo,
bem cruel, da incompetência e do desrespeito do MEC para com estas escolas.
E aqui a culpa era de todos. Do tribunal de contas, do ano
escolar que não é coincidente com o ano civil, dos regulamentos… nunca do
ministério, que não se dignou nunca pedir desculpa às escolas e aos professores
que estiveram vários meses sem vencimento.
Lamentável.
Este é um retrato, necessariamente sintético e não exaustivo,
do estado da educação nestes últimos quatro anos em Portugal. Este não pode ser
o caminho. Este caminho falhou.
Não queremos este sistema de delírios classificativos e que
baniu da gramática educativa os conceitos de “competências” e de “ciências da
educação”, um sistema que elevou os exames de alunos de 9 anos e o desrespeito
pelos professores a conceitos divinos.
As escolas precisam de um outro olhar, de um novo futuro. Precisam
de respirar. De ter uma verdadeira e reforçada autonomia. Uma autonomia que
lhes permita fazer, afinal, aquilo que melhor sempre souberam fazer em parceria:
ensinar, formar e qualificar as pessoas e os territórios.
Desde logo um compromisso com a lei de bases do sistema
educativo, que Nuno Crato desrespeitou e ofendeu.
Um compromisso com uma escola inclusiva, uma escola promotora
do sucesso.
Uma escola que não tenha medo de fazer da educação para a
cidadania um elemento central da sua vida quotidiana.
Um sistema sem as alucinações das metas-curriculares e
programáticas, que saiba respeitar a formação inicial dos docentes e organizar
com equidade e justiça os concursos de professores.
Precisamos de, no respeito pela igualdade de oportunidades, valor
maior que a educação deve servir, saber celebrar um acordo estratégico para as
qualificações, saber melhorar a qualidade do serviço público de educação e
saber devolver a estabilidade e tranquilidade às escolas e às comunidades
educativas.
Acácio Pinto
Diário de Viseu
* Baseado na intervenção
a 19.03.2015, na AR, durante o debate de urgência sobre educação.