PS apresentou na Assembleia da República PJR sobre descentralização administrativa

Fui um dos subscritores do projeto de resolução 1256/XII/4 (AQUI) que o grupo parlamentar do PS apresentou no dia 13 de fevereiro de 2015 na assembleia da república, no âmbito da descentralização administrativa.
Este é um bom exemplo para demonstrar que o governo, nesta matéria, como em tantas outras, andou e anda a desenvolver procedimentos sem qualquer diálogo com os partidos e com os parceiros envolvidos. Um processo completamente reprovável que resultou num no decreto-lei 30/2015 que não mereceu a concordância da ANMP, dos agentes educacionais, da saúde, da segurança social e mais não é do que uma delegação de competências e não descentralização administrativa, como lhe chamam.

Projeto de Resolução n.º 1265/XII/4.ª

Recomenda ao Governo um conjunto de orientações em torno de políticas de descentralização administrativa

Exposição de Motivos
                                                                                                      
O Programa do XIX Governo Constitucional previa, no capítulo respeitante à Administração Local e Reforma Administrativa, «(…) uma agenda reformista e inovadora» para o Poder Local, eminentemente assente na descentralização administrativa.
Tal agenda visava «(…) substituir o paradigma centralista e macrocéfalo por um paradigma de responsabilidade que valorize a eficiência na afetação de recursos destinados ao desenvolvimento social, económico, cultural e ambiental das várias regiões do País de acordo, também, com o princípio da subsidiariedade», e seria concretizada segundo quatro vetores estratégicos: a descentralização e a reforma administrativa, o aprofundamento do municipalismo, o reforço das competências das associações de municípios e a promoção da coesão e competitividade territorial através do Poder Local.
Quatro anos volvidos, os resultados são francamente desoladores, quando não inexistentes, e a realidade muito distante das proclamações constantes do Programa de Governo.
Para a história ficará apenas um registo: o de que a promoção da coesão e a competitividade territorial terem sido substituídas por uma política irradiadora de freguesias (com a extinção de 1169 autarquias), o aprofundamento do municipalismo e o reforço de competências das associações de municípios permutados por um regime jurídico das autarquias locais e do associativismo autárquico vetado pelo Presidente da República, e a descentralização administrativa confundida por ações de mera e simples delegação por contrato interadministrativo.
Esqueceu o Governo o que havia asseverado à Assembleia da República e ao País: que tal agenda partiria do «(…) aprofundamento do estudo e debate sobre eventuais modelos de competências, financiamento e transferência de recursos, bem como de novas perspetivas de organização local trazidas pelo debate constitucional».
Mais: descurou, deliberadamente, a tão necessária descentralização de competências e recursos da administração central para os municípios e as freguesias em domínios tão diversos como a educação, a saúde, a ação social, a cultura, os transportes, o licenciamento de atividades económicas ou o ambiente e o ordenamento do território.
Foi, de resto, através de uma manobra puramente mediática (e com consequências que perdurarão por anos no funcionamento da administração local) que foi aprovada a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro [já duas vezes retificada (Retificações n.º 46-C/2013, de 1 de novembro, e n.º 50-A/2013, de 11 de novembro)], que veio estabelecer o regime jurídico das autarquias locais, aprovar o estatuto das entidades intermunicipais, estabelecer o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprovar o regime jurídico do associativismo autárquico – com origem na Proposta de Lei n.º 104/XII, mais tarde Decreto da Assembleia da República n.º 132/XII, que veio a ser vetado pelo Presidente da República em 4 de junho de 2013 (decisão de veto que teve como fundamento o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 296/2013, que se pronunciou, preventivamente e a pedido do Presidente da República, pela constitucionalidade de algumas normas do diploma, nomeadamente os artigos 104.º. 105.º, 106.º, 108.º, 109.º e 110.º do Decreto n.º 132/XII, na interpretação que envolvia faculdade de o Governo poder delegar as suas competências constitucionais nos municípios e comunidades intermunicipais, com fundamento na violação do n.º 2 do artigo 111.º da Constituição da República Portuguesa).
Mais recentemente, decidiu o Governo apresentar um projeto de diploma (entretanto aprovado em Conselho de Ministros, em 15 de janeiro do corrente) que desenvolve o Capítulo II do título IV do Anexo I da supra citada Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, identificando as competências delegáveis pelo Estado nos municípios e entidades intermunicipais, ao abrigo do n.º 2 do artigo 124.º da mesma Lei.
Ao fazê-lo, não só risca da sua agenda a delegação de competências de órgãos do Estado em outros órgãos das autarquias locais (como das freguesias) e a delegação de competências dos órgãos dos municípios nos órgãos das freguesias e das entidades intermunicipais, igualmente previstas na Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, como abandona a proclamada descentralização administrativa enquanto processo evolutivo de organização do Estado.
Infelizmente, o diploma aprovado pelo Governo deixa fortes dúvidas quanto à definição dos limites da autonomia municipal (ou intermunicipal), ao respeito pela integridade da soberania do Estado em domínios como a educação, a saúde, a segurança social ou a cultura, quanto ao exercício partilhado de competências e quanto à promoção de um equilíbrio eficiente na articulação de poderes – nomeadamente porque não são conhecidos os estudos, previstos na lei, que fundamentam a delegação prevista.
Porque descura o tão necessário envolvimento da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias, cujo papel é decisivo na ampla e desejável reflexão que deve ser promovida junto de autarcas, capaz de gerar maior transparência e de evitar situações de iniquidade entre autarquias.
Em suma: porque a iniciativa legislativa não resulta de uma ampla reflexão sobre o exercício partilhado de competências, nem da tão proclamada Reforma do Estado, mas, sim, de uma via fácil de o Governo se demitir de competências que lhe estão constitucionalmente conferidas, e porque decorre de um preconceito ideológico que vê nas autarquias meros serviços desconcentrados da administração do Estado.
Em oposição à agenda (apenas) mediática do atual Governo, surge a agenda verdadeiramente reformista do Partido Socialista, a única capaz de invocar a confiança na mudança. Porque, na senda da expressão concreta da sua governação no passado recente, assume como desígnios fundamentais maior transparência e maior igualdade de oportunidades.
É que, para o Partido Socialista, a descentralização administrativa assume-se como pedra angular da Reforma do Estado, tendo sido sempre encarada como oportunidade para a valorização dos recursos do País, permitindo ter um Estado mais próximo do cidadão, e um Estado mais célere e eficiente na prestação de serviços públicos.
Porque o Partido Socialista entende a descentralização como a via que que permite que os diferentes níveis e subníveis de governação colaborem entre si para a prestação de serviços mais eficazes, mais eficientes e mais convenientes, não numa ótica de sobreposição – com os inerentes prejuízos para os cidadãos e para a sociedade em geral – mas de complementaridade, do ponto de vista da organização e do funcionamento, em estrito respeito pelos princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública, tal como consagrado na Constituição da República Portuguesa.
O Partido Socialista é defensor de um modelo que, embora prevendo a contratualização de poderes (atendendo aos limites constitucionais às matérias que podem ser objeto de delegação e à subordinação da administração à legalidade democrática), envolva, sobretudo, a previsão reforçada de poderes às autarquias locais, em observação pelos princípios da universalidade e da equidade e as exigências de unidade e de eficácia da ação administrativa.
Caberá, pois, a um novo Governo fazer uso da flexibilidade que a Constituição da República Portuguesa permite para, dentro do quadro legal, proceder a uma distribuição eficiente de tarefas entre o poder legislativo e o administrativo e entre os diversos titulares do poder administrativo.
Distribuição que envolva, paralelamente, esquemas de exercício partilhado de competências através da delegação de competências com uma densidade normativa mínima que permita a promoção de um equilíbrio eficiente na articulação de poderes, do ponto de vista da igualdade e garantia da não discriminação.
De forma inteligente, prosseguir-se-á uma política de descentralização administrativa capaz de respeitar a autonomia municipal e a integridade da soberania do Estado, em todos os domínios dos interesses próprios das populações das autarquias locais e das entidades intermunicipais, em especial no âmbito das funções económicas e sociais, porquanto a concretização da descentralização terá como fundamento a promoção da coesão territorial, o reforço da solidariedade inter-regional, a melhoria da qualidade dos serviços prestados às populações e a racionalização dos recursos disponíveis.
Uma política de descentralização administrativa que, delimitando claramente as atribuições e competências dos diferentes níveis de governo, assente na equidade na afetação dos recursos públicos. Só assim será possível cumprir o desígnio constitucional da justa repartição pelo Estado e pelas autarquias, fundamental para a correção das desigualdades existentes.
Durante quatro anos, o Governo desprezou a autonomia local, e, a poucos meses do final do mandato, sem o mínimo de previsões orçamentais para as medidas prenunciadas, ao arrepio das posições assumidas por autarcas, autarquias e suas associações representativas, e no cotejo com os sérios constrangimentos financeiros e administrativos à sua ação, decide impor ao País uma política (demissionária) de transferência de responsabilidades em áreas que lhe estão constitucionalmente atribuídas.
Neste enquadramento, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentam o presente Projeto de Resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do disposto do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:
1.     cumprimento às políticas de descentralização administrativa constantes do Programa do XIX Governo Constitucional, nomeadamente através:
a)       Da divulgação dos estudos que estiveram na base do diploma aprovado em Conselho de Ministros de 15 de janeiro de 2015 quanto aos modelos de competências, financiamento e transferência de recursos, bem como sobre novas perspetivas de organização da administração local;
b)      De uma ação concreta de descentralização administrativa, não só nos termos em que foi prevista no Programa do XIX Governo Constitucional, mas, claramente, numa abordagem multinível em áreas como a educação, a formação, a qualificação e o emprego, os cuidados primários de saúde e o reforço das redes e apoios sociais, os domínios da cultura, do turismo e do património, os transportes, o ambiente e ordenamento do território, em torno de uma visão global para o desenvolvimento do país, dos seus recursos e do seu território;
c)       De medidas de descentralização administrativa que, delimitando claramente as atribuições e competências dos diferentes níveis de governo, assegurem a justa repartição de recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias;
d)      Do lançamento de um amplo processo de auscultação de autarcas, autarquias e suas associações representativas, visando preparar uma nova Lei-Quadro que permita desenvolver o princípio constitucional de autonomia local, e que se constitua um instrumento da descentralização do Estado capaz de promover a proximidade e a eficiência dos serviços prestados pelas autarquias locais. 
2.     Inicie a reforma da administração regional através das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, por via do fortalecimento da integração territorial das políticas públicas ao nível de cada uma das cinco regiões do Continente (NUTS II), integrando alguns dos atuais serviços regionais desconcentrados e garantindo a sua desgovernamentalização e legitimação democrática.
Palácio de São Bento, 4 de fevereiro de 2015

As Deputadas e os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista