Artigo de Paulo Guinote: «(O Gabinete De?) Nuno Crato E A Estatística»


Transcrevo o artigo infra do blog A EDUCAÇÃO DO MEU UMBIGO, da autoria de Paulo Guinote, que faz uma excelente análise ao tal decréscimo de 200.000 alunos que ninguém entende, para além de NC e do seu gabinete!
Merece uma leitura atenta por todos quantos se dedicam às questões da educação!
EI-LO:
«(O Gabinete De?) Nuno Crato E A Estatística
Na entrevista que deu ao Sol, o MEC foi questionado e respondeu assim:
SOL: Qual é a explicação para o que se está a passar? A revisão curricular? O aumento do número de alunos por turma?
NUNO CRATO: O que se está a passar é o resultado de várias coisas que são mais fortes que nós. A primeira delas é a redução da população escolar, em cerca de 200 mil alunos nos últimos anos (cerca de 14%). É uma diminuição brutal. O que temos sempre dito é que os professores do quadro são necessários e que além disso há algumas necessidade mais, mas nós faremos apenas as contratações estritamente necessárias. Nem o contribuinte português poderia entender uma coisa diferente.
O meu primeiro problema com esta declaração é o seu carácter vago. A que “últimos anos” se refere? E refere-se a todos os alunos? Só aos alunos da rede pública? A todos os níveis de escolaridade?
Porque é da necessidade de professores na rede pública que se está a falar.
O valor de c. 200.000 correspondendo a 14% remete-nos para um valor inicial de 1.428.571 alunos ou algo próximo (é só aplicar uma regra de três simples…) mas não sabemos onde ir procurar o início da série…
O que nos complica a vida…
Na Pordata (o recurso agora mais usado em tudo o que mexe…) podemos encontrar números para o Ensino Básico e Secundário (público), em séries longas, assim para a Educação Pré-Escolar a partir de certo ponto.
O que encontramos? Vale a pena notar que o valor total inclui os Ensino Médio e Superior, pelo que é necessário somar as parcelas que nos interessam…

Os valores totais de alunos matriculados na rede pública para 2000, 2005 e 2010 são de 1.588.177, 1.477.233 e 1.581.049, respectivamente… O que significa uma diminuição inferior a 0,5% desde 2000 e mesmo um aumento desde 2005…
Com sinceridade, acredito que seja possível isolar um segmento com uma diminuição de 14% de alunos, mas agora não estou para ir em busca de agulhas…
Já em relação aos professores, com base na publicação Perfildo Docente 2010/11 temos os seguintes números (sendo lamentável que não exista série longa para o vínculo contratual sem ser em gráfico…):
Se fizerem a gentileza de confirmar as minhas contas… para o ensino público, em 200/01 tínhamos 153.836 docentes em exercício, em 2005/06 tínhamos 148.830 e em 2010/11 tínhamos 140.688.
O que significa uma redução de 8,5% em 10 anos, mais acelerada desde meio da década…
Ou seja, temos uma redução efectiva de docentes perante um número relativamente estável de alunos. Isto se consideramos por “últimos anos” a última década com dados consolidados (é o próprio Nuno Crato a, mais adiante na entrevista, confessar faltarem-lhe dados actualizados sobre o número de alunos que terá transitado do privado para o público o último ano).
Não vou dizer que Nuno Crato não tenha usado dados que lhe fundamentassem a afirmação que fez. O problema é que os dados de que eu disponho (e que são recolhidos nas fontes oficiais) não confirmam o que ele afirmou, apenas com base na frase generalista e atirada para a mesa que ele produziu.
Sei que gente mais certificada do que eu também já exibiu quadros e tal sobre isto. Resta saber a ficha técnica… se misturaram coisas que não deveriam, se eliminaram variáveis, se shitaram a coisa, mesmo que não voluntariamente.
Já sei que o argumento demográfico é muito habitual nestas discussões, assim como o lançamento de números tem muito sucesso em entrevistas, quando não se têm as fontes à mão.
No meu caso, que tenho coisa de meia hora para estas pesquisas feitas na primeira pessoa e não por interpostos assessores, limito-me a um esboço de fact-checking. E confesso que o fiz mesmo na meia hora referida, pelo que acredito que me tenha falhado qualquer coisa que ao gabinete do ministro chamou a atenção para a preparação da entrevista.