Jorge Sampaio: O socialista que teve a arte de juntar as esquerdas

(DN 25.06.2011 - Francisco Mangas) - «O homem que em tempos pretendeu ser "o grilo da consciência do PS" incentiva agora, ao serviço das Nações Unidas, o diálogo entre o mundo ocidental e o islâmico.
Entra no PS pela ala mais à esquerda. Foi autarca, depois Presidente da República. Hoje é alto-representante das Nações Unida para a Aliança das Civilizações. O homem que teve a difícil arte de unir a esquerda na Câmara de Lisboa, incentiva agora o diálogo entre povos e culturas. E, como enviado especial do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, trabalha na erradicação da tuberculose.
Muitas rebeldias marcam o percurso político de Jorge Sampaio. Rebeldia quando o gesto encerrava uma finalidade concreta e cívica: afronta à ditadura que amortalhava Portugal. Por isso, encontramos o jovem de cabelo ruivo e olhos claros - como peixes verdes, diria o poeta Eugénio de Andrade - à frente da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa.
A primeira prova de fogo do advogado surge na defesa de oposicionistas ao regime envolvidos na Revolta de Beja, ou do caso Capela do Rato. É candidato a deputado pela CDE (1969). Do seu escritório saem os documentos de protesto contra o exílio de Mário Soares.
O seu nome, contudo, não aparece no grupo dos fundadores do partido que, no final dos anos oitenta, havia de liderar. O lugar de Sampaio era mais à esquerda. Tanto que, em 1976, o seu voto nas presidências foi para Otelo, um dos homens da Revolução de Abril.
Dois anos após (mais) esta rebeldia, torna-se militante do PS. Eleito deputado, envolve-se nas guerras internas dos socialistas, apoia a recandidatura de Eanes; é relegado para a penumbra. No entanto, onze anos depois de ter assinado o cartão de militante, atinge o ponto mais alto no PS - numa altura em que o cavaquismo se cristaliza.
Sampaio fez os primeiros estudos numa escola pública norte-americana, Queen Elizabeth School, e, em Lisboa, nos liceus Pedro Nunes e Passos Manuel. Gosta de ouvir opiniões divergentes para tomar decisões. Esse princípio tê-lo-á praticado quando dissolve o Parlamento e derruba o frágil e crispado Governo de Santana Lopes.
Mas quem o julga indeciso engana-se. A candidatura a Belém, com considerável antecedência, apanha de surpresa alguns dirigentes do partido. De igual modo, em 1989, Sampaio surpreende: por "falta de generais socialistas" interessados a disputar a eleição para a Câmara de Lisboa, avança ele, o líder do partido. A direita perde a capital. Tenta a mudança para São Bento, mas o inquilino chama-se Cavaco Silva e permanece no poder. Os dois homens encontram-se, cinco anos mais tarde, na corrida a Belém. Sampaio ganha. Nessa campanha das presidenciais, o candidato apoiado pelo PS fez uma promessa. Hoje, 15 anos mais tarde, poderá ser lida como a sua divisa: "Vamos fazer da tolerância uma qualificação e da democracia uma exigência."
E não escondia, nesse tampo, uma grande ambição. Desejava ser o primeiro chefe do Estado eleito pelo povo português a deslocar-se a Timor-Leste. Tudo fez, no País e a nível internacional, para tornar realidade essa ambição, emotivamente apoiada pelos portugueses. A última deslocação oficial de Jorge Sampaio, refira-se, enquanto Presidente da República, é precisamente a Timor.
O legado à democracia portuguesa de Jorge Sampaio - que pretendeu ser com o movimento Intervenção Socialista "o grilo da consciência do PS" - é significativo. Aqui ou noutra parte qualquer do mundo continua a fazer da "tolerância uma qualificação". »
(Foto: DN)